tag:blogger.com,1999:blog-90232936701113243392024-03-14T03:38:33.479-03:00Sexo, Amor, CasamentoAs qualidades atuais do casamento não existiram sempre. Não era preciso amar para se casar, muito menos realizar-se sexualmente. O casamento também não era a porta para a felicidade. Foi, durante longos anos, mero contrato econômico que unia famílias e interesses. A proposta deste blog é discutir a instituição casamento do ponto de vista da História e da Sociologia.Cinara Lobohttp://www.blogger.com/profile/01931446388705783932noreply@blogger.comBlogger36125tag:blogger.com,1999:blog-9023293670111324339.post-85640772303761734852019-07-14T21:37:00.000-03:002019-07-14T21:52:41.374-03:00<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<b><span style="font-size: x-large;">A Igreja Católica e o casamento</span></b></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgEX8K0tZ9I4p8AVCzZhIZevuAhte7oEJ7p-p2oFM9R6Gv2pz33N7L6xcg0twCy7eXe3lSlQEykqIzk3JbixOFk6TwLQQPvYGgqAqAu2sH3DjikdksYVzctRtEsWgYZcElkoCwc02SXqT4/s1600/como-o-matrimonio-e-um-sacramento.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" data-original-height="360" data-original-width="640" height="180" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgEX8K0tZ9I4p8AVCzZhIZevuAhte7oEJ7p-p2oFM9R6Gv2pz33N7L6xcg0twCy7eXe3lSlQEykqIzk3JbixOFk6TwLQQPvYGgqAqAu2sH3DjikdksYVzctRtEsWgYZcElkoCwc02SXqT4/s320/como-o-matrimonio-e-um-sacramento.jpg" width="320" /></a> <span style="text-align: justify;">Qual foi o processo histórico que
levou a estranha associação entre sexo, amor e casamento? Esse foi o problema
de pesquisa a que me dediquei durante alguns anos e cujas anotações estão neste blog. Para Sociologia, usando uma classificação
de Weber, sexo é um impulso instintivo; o amor, uma ação social quase racional e
o casamento, uma instituição com finalidades práticas e objetivas, no</span><span style="text-align: justify;"> </span><span style="text-align: justify;">mínimo uma ação social orientada para valores.
Como reunir, na mesma salada, ações com características diversas? Quis entender
em que momento da história da humanidade aconteceu a confusão e quais foram
seus principais atores.</span><br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nem sempre amor e sexo estiveram
incluídos no casamento. A confusão começa no século XVI e a Igreja Católica deu
uma boa contribuição. O amor era um sentimento marginal, associado a comportamentos
doentios. Os livros de Medicina do período descrevem os sintomas dos seres
enamorados como se tratasse de uma doença física. Por isso, as famílias
cuidavam para que os<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>jovens não <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>sofressem de mal tão perigoso, que não possuía
tratamento certo e que, em situações extremas, poderia levar o indivíduo a
morte. O assunto, problema restrito a Medicina doméstica, torna-se qualidade
fundamental do casamento a partir do Concílio de Trento (1545 – 1563). A Igreja
Católica faz uma reforma de sua doutrina e, entre as mudanças, eleva o casamento
ao status de sacramento. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Até a Reforma Protestante, o
casamento era uma celebração pagã que se realizava na porta da Igreja, <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>no ambiente externo, pois os interesses
mundanos que orientavam o casamento não poderiam ser discutidos no ambiente
sagrado da Igreja. Tratava-se de um contrato econômico entre famílias para
decidir fusão de propriedades, transmissão de herança ou questões diplomáticas
entre condados. Ao realizar o Concílio, a Igreja cria um novo tipo de celibato,
acessível ao homem comum: o casamento. A Igreja reconhecia que a vida
celibatária não era um comportamento possível para a maioria dos indivíduos. Poucos
conseguiam abrir mão das satisfações e desejos imediatos para seguir o estreito
caminho de renúncia e amor a Deus. Somente aqueles capazes de renunciar as
paixões e gozos da vida terrena estariam em condições de viver segundo a
doutrina cristã. Por essa razão, o restante dos mortais dependia desses poucos
para ganhar a salvação. Os santos intercederiam junto a Deus pelos pecadores.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Não quer dizer que os
representantes da Igreja Católica de fato praticassem o celibato e uma vida de <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>privações. Antes do Concílio de Trento, era
muito comum o casamento clandestino de padres, o envolvimento em questões
políticas, econômicos e mesmo a participação em atividades de guerra. A Igreja
era uma classe social que defendia os seus interesses e os indivíduos optavam
pela carreira religiosa como forma de alcançar um título social, equivalente ao de nobreza. Os decretos e decisões tomadas durante o Concílio de Trento são
uma resposta às críticas e questionamentos do movimento protestante. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Entre as reformulações, o protestantismo pregava
um Deus mais próximo do indivíduo comum, o alcance da salvação sem a
necessidade de intermediários e do pagamento de indulgências e, ao mesmo tempo,
a vida doméstica como o espaço ideal para o exercício diário de vivência dos
preceitos cristãos e glorificação de Deus. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O protestantismo leva a Igreja Católica
a reformular sua doutrina e grande parte das mudanças é decidida durante o
Concílio de Trento, um dos mais longos empreendidos pela Igreja. Entre <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>as novidades, o casamento é elevado à condição
de sacramento. Ao fazê-lo a Igreja resolve dois problemas: a) torna o
cristianismo uma doutrina acessível ao homem comum; pois o casamento passa a
ser interpretado como um celibato de segunda ordem, que permite praticar o sexo
com fins de procriação; e b) ganha condições de interferir nas questões
econômicas e políticas que eram resolvidas pelos nobres por meio de contratos
de casamento. Para casar, os nobres ficavam obrigados a consultar a Igreja, que
verificava a existência ou não de relação de parentesco até o terceiro grau
entre os pretendentes. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Nesse mesmo momento, o casamento
ganha um ingrediente novo, o amor. Somente eram legítimas as uniões resultantes
do amor, construídas em prol de um sentimento puro e eterno, quase uma mácula
do divino no humano. Os casamentos por interesse, exclusivo dos nobres, eram
reprovados e rechaçados. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Aqui começa uma
característica particular da sociedade Ocidental que foi a única, segundo
Anthony Giddens, a fazer do amor apaixonado a base do casamento. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>A única a usar um sentimento impulsivo e
instável como fundamento de um contrato com implicações para o resto da vida do
indivíduo. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Não foi fácil para a Igreja
convencer os nobres de que estava autorizada a legislar e interferir em
questões econômicas e políticas. Não foi sem resistência que conquistou a
condição de falar sobre as uniões estáveis, impor restrições, abençoar ou
proibir casamentos. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Foram tantas as
brigas, que o rei Henrique VIII rompeu com a Igreja e casou-se com Ana Bolena.
A Inglaterra tornou-se protestante. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Se a Igreja deu sua contribuição
para a fusão do casamento com amor, veio somar a afinidade eletiva dessa
modalidade de união com o estilo de vida e visão de mundo da classe ascendente,
a burguesia. O processo de domesticação do amor e do sexo iniciado pela Igreja
Católica, de migração para os estreitos limites do casamento de impulsos
instintivos e emocionais, foi concluído pela conduta da burguesia e a
organização social que surgiu nas cidades.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A burguesia é urbana, reside em
casas menores, com poucos empregados domésticos, possui horários, disciplina de
compromissos diários.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Junto com ela, vem
o proletário, <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>despossuído e ocupado em
longas e estafantes rotinas de trabalho. O modo de vida da nobreza passa a ser <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>criticado em razão do luxo, das orgias, dos
custos para o Estado e também porque a arte de guerrear não era mais tão
necessária num mundo onde as disputas se davam por rotas comerciais, pelo
desenvolvimento tecnológico, pelo aumento da produtividade. A nobreza perdia sua
função e conseqüente importância.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>No
ambiente restrito da casa, homem e mulher precisam dividir responsabilidades
por educar os filhos e gerenciar os negócios da família. A oficina é uma
extensão da casa do burguês. Nesse momento, o casamento não é mais um contrato
diplomático entre nobres, mas um contrato com características econômicas
suavizadas, onde o amor passa a ser o cimento, a união entre duas pessoas para
resolver problemas domésticos, relacionados ao dia a dia, contando com a bênção
da Igreja.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
E onde está o terceiro elemento
de nossa história, o sexo? Apenas recentemente o sexo foi adicionado ao
casamento como um ingrediente necessário. Surge nos anos 60, com o ingresso da mulher
no mercado de trabalho. Conforme ela ganha independência econômica passa a
reivindicar a realização sexual como fator fundamental para a felicidade e
durabilidade do casamento. </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Ma o fato dos três elementos
terem se aproximado não levou a uma domesticação definitiva do amor e do sexo.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>A sociedade Ocidental segue numa tendência a
racionalização das emoções, impulsos e desejos, no entanto nada impede os
influxos, as crises e contínuas mudanças que questionam a inclusão desses
ingredientes num contrato que responde a exigências práticas. O amor ao
tornar-se ingrediente do casamento não deixou de ser o amor. Mas o que é o amor
para a Sociologia, como defini-lo? Ele possui uma natureza? Não é um construção
social? </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Definir o casamento é fácil, pois
trata-se de uma instituição e como tal possui regras. Também não é difícil definir
o sexo, pois é um impulso natural, um instinto. Mas e o amor? Como defini-lo? Há
dois autores que nos ajudam a resolver esse problema: Simmel e Durkheim. O
primeiro tratou das díades e o segundo das relações de solidariedade do tipo
mecânica e orgânica. O amor é uma díade onde vigoram relações do tipo mecânicas.
O que isso quer dizer? </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
A díade é uma estrutura social
tão simples que depende completamente do outro para existir. Basta que um dos
integrantes renuncie a união para ela dissolver-se. Por isso, a questão da
existência é uma preocupação constante e que persegue os participantes de forma
muito mais intensa que nos grupos maiores, onde a saída de um dos membros não
significa sua extinção. A díade é um grupo que se sente o tempo todo ameaçado e
insubstituível.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>O que dá origem a uma
díade pode ser um acordo, um segredo, um objetivo comum, mas possui uma
natureza muito diversa “daquela que seria possível num grupo maior, ainda que
fosse de apenas três participantes” (Simmel). </div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Mas o que une o casal, qual é a
natureza das relações? Num grupo tão fechado e pequeno podem existir laços de
solidariedade orgânica, mas serão raros. Aqueles definidos por afinidades e
semelhanças serão mais fortes e comuns. Tendem a excluir todos que sejam
diferentes. Cada um se sentirá confrontado apenas com o parceiro, e não com a sociedade
que lhe fica sobreposta. Agem fechando as fronteiras da díade ao mundo externo,
onde pouco interessa o que pensa a grande sociedade sobre suas condutas, apenas
o juízo do outro importa. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Segundo
Simmel, a estrutura social, aqui, repousa igualmente sobre os dois, sendo que o
desvio de qualquer deles significaria a destruição do todo.</div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
O casal apaixonado tende a
fechar-se para o mundo a fim de proteger-se das ameaças externas. Por essa razão,
Freud dizia que, nos extremos, Eros e Thanatos se encontram. O rompimento de um
dos elementos da díade é interpretado não apenas como a extinção do grupo, mas
do próprio indivíduo, já que o ambiente social lhe é subitamente suprimido. Ele
precisará de tempo e esforço para situar-se novamente no ambiente social
externo. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span></div>
<div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">
Enfim, o amor é o resumo de um
conjunto de dilemas e emoções que surgem das relações da díade. Possui, em
razão de suas características, um caráter anti-social e disruptivo. Ao contrário
das outras relações embasadas na complementaridade das qualidades individuais,
sendo assim mais expansivas e produtivas; o amor é socialmente improdutivo e
restritivo. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Por conta dessas
características não favorece o casamento, não contribui para suas finalidades
que são muito instrumentais e econômicas. Sempre foram. Tanto o ímpeto sexual
quanto o amor apaixonado não cabem nos estreitos limites do casamento. Por
acaso foram acrescidos a instituição, mas dificilmente podem permanecer nela. A
violência que surge a partir das relações amorosas, os freqüentes casos de
assassinatos ou agressões sofridos por uma das partes ou a trama para
assassinar alguém que dificulta a união do casal são exemplos de como o amor concorre
com a sociedade externa. O casamento duradouro e produtivo está assentado em
relações de outro tipo que não a do amor apaixonado. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span><span style="mso-spacerun: yes;"> </span></div>
<br /></div>
Cinara Lobohttp://www.blogger.com/profile/01931446388705783932noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9023293670111324339.post-46690219999839749982015-09-12T10:05:00.001-03:002015-10-26T21:29:06.823-02:00Os dóceis<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
</div>
<h2>
</h2>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiwlPkQJEX193CrSJNwXlcol2bxvXy0XnWI3dn4Pksu15kjOfiSGvtiTKyatGu90r_AMTl7GEny2zxese-XlFyd8Q1-HyMutuzlqv0RGR1wJdhudS2fo6k3z1Iu9KLCkCTjYew1GKwDzno/s1600/SaoFrancisco.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiwlPkQJEX193CrSJNwXlcol2bxvXy0XnWI3dn4Pksu15kjOfiSGvtiTKyatGu90r_AMTl7GEny2zxese-XlFyd8Q1-HyMutuzlqv0RGR1wJdhudS2fo6k3z1Iu9KLCkCTjYew1GKwDzno/s400/SaoFrancisco.jpg" width="316" /></a></div>
<h2 style="text-align: left;">
</h2>
<br />
<div class="MsoNormal" style="text-align: left;">
Encontrei um amigo esta semana que acredita ter sido
acometido de um mal súbito: o amor. Procurou um analista para identificar a
origem do seu mal e como proteger-se da próxima paixão. A seu ver deve existir
algo de patológico no seu comportamento, passível de ser diagnosticado e
corrigido pela ciência. Me lembrei dos médicos no final do século XVIII que
também associavam o amor a doença. Quase lhe recomendei alguns autores daquele
período. Mas o incômodo do meu amigo sinaliza para um comportamento comum no
século XXI: a civilização das emoções, para usar uma expressão elisiana, vai
nos tornando cada dia mais regrados, contidos e concentrados no trabalho e
estresse da vida moderna. A vida, essa que nasce do lado de fora das janelas dos
escritórios, que tem cheiro, sabor e cor vai sendo substituída pela urgência
dos processos burocráticos, pela gravidade dos números sobre produtividade e
gestão, pelas infindáveis reuniões com propósitos ilustres mas sem resultados palpáveis...
Respondi ao meu amigo que se acalmasse, pois todo o seu sofrimento vinha de não
saber lidar com suas emoções e sexualidade. Se lhe servia do consolo, a maioria
de nós nunca atingirá este estado de nirvana. Faz parte da condição humana o
viver e o sofrer por amor. Com o tempo nos acostumamos que essas ondas virão, passarão
e virão novamente. Como crianças, vamos aprendendo a brincar com as ondas sem
acreditar na possibilidade da morte. Mas voltemos ao caso do meu amigo, pois
ele exemplifica bem o comportamento do homem civilizado e o risco que traz para
toda a espécie.</div>
<div class="MsoNormal">
Convivo, diariamente, com pessoas que parecem feitas de
outro material, pois não sentem necessidades básicas e não se permitem emoções
comuns. Elas vivem em função do trabalho. O trabalho lhes protege de viver,
torna-se uma desculpa fácil e convincente para não se aventurarem no
desconhecido e imprevisível desafio de viver. Quando trabalhava no Banco do
Brasil, esses personagens eram muito comuns. Eu acreditava que se tratava de
uma patologia da Empresa. Fui para o serviço público e lá encontrei indivíduos
num grau patológico ainda mais avançado. Nelson do Vale, meu amigo e ator de
uma tese brilhante sobre o serviço público, já havia me alertado para esse
comportamento suicida. No Banco do Brasil, quanto mais ascendiam ao nível de
direção mais as pessoas se tornavam escravas do trabalho. Eram duas variáveis
diretamente correlacionadas. Se perguntassem a elas, por que entravam nove horas da manhã na Empresa e saiam às dez
horas da noite, responderiam que estavam obrigadas a esse comportamento
porque o gerente pediu, porque tinham um projeto com data para entregar,
porque havia uma resposta imediata a dar a um cliente etc. etc. etc. Numa
empresa, o indivíduo diz: eu sou obrigado a agir assim para não perder a minha
função. No serviço público, a resposta é: eu tenho uma causa nobre para
defender e quem me pede tem muito poder político para exigir. Nas duas
situações, a pessoa se deixou
escravizar. Por que razão, a pessoa não diz não? Não posso, estou indo embora
para casa. Não vou fazer pois ultrapassou os meus limites físicos. Inventa uma
desculpa esfarrapada, como uma dor de cabeça súbita, e vai pegar o filho na
escola para assistir a um filminho. Olha, que legal: sair às três horas da
tarde para ir ao cinema com o filho. Ninguém vai ver, pois você estará
escondidinho no escuro com seu filho, comendo pipoca e rindo gargalhadas. Mas por que ninguém ousa esse comportamento de insubordinação à lógica
racional burocrática do mundo moderno? Por que nenhum ser humano se insurge
contra a rotina desgastante e estressante do mundo dos escritórios públicos e
privados? Porque nos civilizamos, numa expressão elisiana, ou porque nos
tornamos seres dóceis e disciplinados, numa expressão foucaldiana. É a minha
única hipótese. </div>
<div class="MsoNormal">
Como seres dóceis e disciplinados que nos tornamos,
controlamos hoje nossas emoções e instintos mais básicos em favor da
produtividade da Empresa ou da urgência de análises e sistemas do setor público.
Assim como reprimimos o apaixonar-se ou o sofrer por amor, pois nestas
situações nos tornamos totalmente improdutivos e pouco concentrados, também
reprimimos necessidades básicas como ter fome, fazer xixi, sentir dor.... Qualquer
pessoa emprega no setor público ou privado já viveu aquelas situações em que o
tempo não sobra nem mesmo para ir ao banheiro. Também já experimentou situações
em que foi almoçar duas horas ou três horas da tarde. Ou ainda, que pegou uma
infecção urinária porque não bebia água. Não estou querendo assombrar, mas é
muito comum no estresse do dia a dia, as pessoas esquecerem-se de beber água,
fazer xixi, comer. Se somos capazes de adiar necessidades tão vitais, imagina
em que grau de prioridade está o amor. </div>
<span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11.0pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">Há poucos dias, eu pensei em escrever um
manifesto. Ele se chamaria: “Manifesto daqueles que fazem xixi”. E abriria com
uma frase bombástica: Eu faço xixi. Não tenho vergonha de dizer que eu faço
xixi desde o dia em que nasci. E se
seguiria com uma frase ainda mais bombástica: Eu morro por amor. Sou indesculpavelmente
romântica. Ouço músicas do Roberto Carlos e choro com o desenho animado da
Cinderela (que eu já assisti mais de 100 vezes). Ao contrário do meu amigo, que agora vai a um
psicólogo para saber o que está acontecendo com sua razão, eu sei que sou uma
romântica incurável. Não há tratamento para o meu caso. Todos os dias eu me
apaixono. Seja pela cor da rosa que nasceu no meu jardim, seja pelo meu
cachorro travesso chamado Johnny, seja pelo meu filho cada dia um rapaz mais
lindo. Descubro na vida tantos detalhes diferentes que eu ainda não havia notado.
E sou grata a Deus por me permitir participar de sua criação. Sou uma pessoa
comum assim, que se apaixona, tem fome, faz xixi e acredita num Deus sábio que
nos protege de todo o mal. Amém. </span></div>
Cinara Lobohttp://www.blogger.com/profile/01931446388705783932noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9023293670111324339.post-39525639939554319332013-09-26T07:52:00.002-03:002015-10-26T21:41:37.953-02:00O amor e o medo<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;">
<table align="center" cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhOpPKzcpeLp-155Hek-RpbVt-J3p585rmzREEB7N9iKy5oKMM_KP1tVTIsenbLL4yXyDcDlU5Vcb-q8QyhYKlObeOzbGqltEeL1YD-yCLe6UiKDUbtQ1aOr_Ywso98n1_VDyDopJmG3zA/s1600/amor+sem+medo.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhOpPKzcpeLp-155Hek-RpbVt-J3p585rmzREEB7N9iKy5oKMM_KP1tVTIsenbLL4yXyDcDlU5Vcb-q8QyhYKlObeOzbGqltEeL1YD-yCLe6UiKDUbtQ1aOr_Ywso98n1_VDyDopJmG3zA/s320/amor+sem+medo.jpg" width="318" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Adicionar legenda</td></tr>
</tbody></table>
<span style="font-family: Calibri;">O amor é uma revolução. Não a
calmaria de um domingo à tarde, mas a tempestade. Nada resta após ele passar,
todas as certezas vão ao chão.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>A vida
organizada, regrada e constante é desfeita. O amor nos rouba o medo e essa é a
origem de toda mudança. O medo é o que te congela, mumifica e imobiliza. O medo
nos faz seguir calmos, educados e regrados a vida cotidiana bem comportada. Mas
nunca nos sentimos tão desprotegidos como no momento em que amamos. A perda do
ente amado, por qualquer razão, pode, da noite para o dia, de uma hora para
outra, te levar a angústia, sofrimento, depressão e até a morte. E como o risco
é constante e como é preciso enfrenta-lo, diariamente, não há outra saída senão
renunciar ao medo. <o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri;">Não há mais medo quando o pior
dos mundos está a sua frente e te acena como uma ameaça constante. Ao enfrentar
o pior dos medos, os outros se tornam menores e mais fáceis. Daí a origem de
toda mudança, que se soma a coragem. Mas por que ela aparece? Não bastava
que o<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>medo fosse embora?<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri;">Não foi apenas porque o medo se
foi, mas porque naquele momento você começa a se ver melhor. O outro nada mais
é que você mesmo. Um espelho que te leva a conhecer <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>suas qualidades, vontades, valores, desejos,
sonhos... Ah! Uma montanha de coisas esquecidas bem no fundo do baú. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Ele ama uma quantidade de você que havia sido
colocada de lado. Ele acorda você. Ele acorda o monstro adormecido. <o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri;">O beijo do príncipe na Branca de
Neve significa isso. A princesa dentro da gata borralheira também possibilita
essa leitura. Há um elemento de melhor em você que o outro percebe e que passa,
então, a reivindicar sua existência. Também pode ser o elemento de pior, veja
os casos de amantes que planejam crimes em comum na perspectiva de viverem seu
sentimento numa situação mais confortável. Há algo de incivilizado no amor,
sempre houve. É por essa razão que todas as civilizações, em diferentes
momentos da história, nunca colocaram o amor como fundamento da sociedade. <o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri;">O amor foi sempre um sentimento
libertino, desregrado, vil, espúrio e que deveria ficar do lado de fora dos
lares. Moças de família e de bem não eram aconselhadas a vivê-lo. Bem, voltei
ao tema desse blog. Sobre o assunto já falei em outros momentos. Agora, quero
entrar numa análise mais psicológica, quero dizer o quanto o amor está
relacionado à identidade e como a origem de toda coragem vem de realizar sua
própria identidade. O outro faz você se reencontrar com sua identidade, com
tudo que para você importa e deixar de lado o que é fútil. Pense que se as
pessoas amassem mais o mundo seria uma revolução constante. As manifestações
hoje nas ruas do Brasil não terminariam nunca. Ninguém permitiria ser
escravizado, pois a escravidão tem a ver com o desejo de segurança. <o:p></o:p></span></div>
</div>
Cinara Lobohttp://www.blogger.com/profile/01931446388705783932noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9023293670111324339.post-82165978850084831452012-09-23T21:33:00.001-03:002012-09-23T21:35:41.268-03:00<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhI4_qMXr3BV3MfchyzezfWwH0D2dc48KfHdseQT0aUCgpH9XxQWYqy-w4F7bT2S-cFLG2sYUcXR9H7ayIaCjRIpkU3AwmHfjeKzKYDqf97tSJo0lLTEr2kZFrqwwDYH4uztXUbp65kBC4/s1600/Engra%C3%A7adinha.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="238" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhI4_qMXr3BV3MfchyzezfWwH0D2dc48KfHdseQT0aUCgpH9XxQWYqy-w4F7bT2S-cFLG2sYUcXR9H7ayIaCjRIpkU3AwmHfjeKzKYDqf97tSJo0lLTEr2kZFrqwwDYH4uztXUbp65kBC4/s320/Engra%C3%A7adinha.jpg" width="320" /></a><span style="font-family: Calibri;">Nelson Rodrigues trouxe à Sociologia brasileira
contribuições originais. Talvez esteja entre os nossos melhores sociólogos.
Dedicou-se a diversos objetos de estudo, mas entre os seus preferidos estão o
casamento como instituição e as díades. Provavelmente, Nelson Rodrigues nunca
leu Simmel e não soubesse sequer o que significava díade. Mas de todas as suas
investigações, as díades foram as que lhe renderam os melhores textos e as
melhores peças de teatro. <o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;">
<span style="font-family: Calibri;">Observou que nem todos os indivíduos possuem um
comportamento adequado com os padrões sociais. Verificou mesmo que a maioria,
em algum momento da vida, acaba cometendo algum tipo de desvio. Se tivesse lido
Howard Becker, concordaria com o autor que os desvios são mesmo muito comuns.
Um dos desvios que o motivou a inúmeros textos foi o adultério. O casamento,
para ele, era uma instituição que não funcionava. As mulheres nem sempre
participavam da escolha de seus futuros maridos, atendiam as preferências das famílias.
Sentiam-se obrigadas a casar e apressavam a união com quem não tinham
afinidade. Com o tempo, o casamento tornava-se um martírio, uma rotina sem fim,
até o momento em que a mulher encontrava um grande amor. <o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;">
<span style="font-family: Calibri;">Quando fala em amor, Nelson Rodrigues <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>é<span style="mso-spacerun: yes;">
</span>sociólogo mais que escritor de literatura. Seu conceito de amor não faz
referência ao jargão comum do que se entende por esse sentimento desde os
românticos: amor para o todo sempre, indivisível, com casamento e filhos. O
amor é um sentimento anti-social. O amor, para ele, é a identidade entre duas
pessoas, vivida de maneira tão forte e extrema, que a sociedade deixa de ser
importante e o casal rompe com todo vínculo social. Quando isso acontece, a
conseqüência<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>possível é o crime, o
suicídio, o assassinato... <o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;">
<span style="font-family: Calibri;">A díade busca a sua sobrevivência, não a realização da
sociedade. Qualquer pessoa que tenha um dia vivido um grande amor experimentou
esse sentimento de desprendimento, do tempo correndo num ritmo diferente, de
não se importar com a opinião dos amigos e familiares, de satisfação plena em
simplesmente estar ao lado do outro. Por isso, as histórias de amor nos contos
de Nelson Rodrigues terminam quase sempre em tragédia, não possuem como
objetivo funcionar no mundo. Pelo contrário, as díades são pequenas sociedades
de dois indivíduos que se satisfazem plenamente dentro da sociedade maior.
Possuem um fechamento em relação à sociedade. Não são comuns e se fossem, simplesmente,
causariam um caos social.<o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;">
<span style="font-family: Calibri;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>É por essa razão, que
Nelson Rodrigues diz que quem amou e não desejou a morte, nunca amou.<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>Porque, para ele, o amor no seu extremo <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>leva a um rompimento tão radical com a
sociedade, cuja conclusão pode ser o suicídio.Um dos temas repetidos<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>nas crônicas de Nelson Rodrigues é a história
de jovens amantes que planejam a morte juntos. Ou então, fugir do mundo. Não me
esqueço dos personagens Engraçadinha e Luís Cláudio que ponderam se não seria
mais simples fugir: “Vamos fugir” diz Luís Cláudio para Engraçadinha. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>“É tão simples fugir!”, argumenta. <o:p></o:p></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt;">
<span style="font-family: Calibri;">Porque o amor é um sentimento anti-social, nas histórias de
Nelson Rodrigues, <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>nunca evolui para o
casamento. Quase sempre se desdobra em tragédias, dificilmente, num casamento
com véu e grinalda. Amor para ele não é o equivalente a “viveu feliz para
sempre”, ou “tiveram muitos filhos” e “compraram uma casa”. Para ele, amor é desejo.
Esse é o verdadeiro sentimento que une um homem e uma mulher, resultado de uma
identidade intensa. O desejo arrasta os indivíduos para situações de conflito e
rompimento com as normas sociais. É o que não estava no script, mas também é o
espaço de transformação social e individual. <o:p></o:p></span></div>
</div>
Cinara Lobohttp://www.blogger.com/profile/01931446388705783932noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-9023293670111324339.post-21845975841927949102012-07-12T21:34:00.001-03:002012-07-12T21:34:17.545-03:00<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
<br />
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 10pt;">
<b style="mso-bidi-font-weight: normal;"><i><span style="font-size: 12pt; mso-ascii-font-family: Calibri; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-hansi-font-family: Calibri;"><span style="font-family: Calibri;">Você não conhecia a solidão até o outro chegar</span></span></i></b></div>
<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEglw7SMna873bmRDAIh7d2YFFhS3Ft6MTKKm8gNTCkHKIzq1wNhhyphenhyphenzlm6M9X24Gi3gj4cKj3ZAUh4OBxXwTuP8BzPWt-c356MIW3FwLKCySXmuaUwn0wXHh99QnNcdyjs7oHpHxyJ1mOUs/s1600/O+beijo.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEglw7SMna873bmRDAIh7d2YFFhS3Ft6MTKKm8gNTCkHKIzq1wNhhyphenhyphenzlm6M9X24Gi3gj4cKj3ZAUh4OBxXwTuP8BzPWt-c356MIW3FwLKCySXmuaUwn0wXHh99QnNcdyjs7oHpHxyJ1mOUs/s1600/O+beijo.jpg" /></a></div>
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 10pt;">
<span style="font-family: Calibri;"><i><span style="font-size: 12pt; mso-ascii-font-family: Calibri; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-hansi-font-family: Calibri;">As emoções são impossíveis de serem conhecidas
senão pela interação com o outro. A própria solidão não é uma emoção que se
possa experimentar sozinho. Um indivíduo, que nasceu e foi abandonado no Alasca
por uma mãe ingrata, e que cresceu sem qualquer companhia, jamais compreenderá
o que é solidão. Vamos para uma hipótese menos absurda. Um náufrago chega a uma
ilha deserta, depois de certo tempo, ele esquece o que é dispor de companhia e
também o que significa estar só. A solidão deixa de existir para ele. Somente o
outro pode lhe dizer que está só. </span></i><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><o:p></o:p></span></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 10pt;">
<span style="font-family: Calibri;"><i><span style="font-size: 12pt; mso-ascii-font-family: Calibri; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-hansi-font-family: Calibri;">A verdadeira solidão, que é aquela que não cessa
mesmo no centro urbano, você só conhece quando surge a pessoa que te completa.
Nesse momento entende que esteve sozinho todo um tempo e nem percebeu. Era um
solitário errante e nem sabia disso. Depois de conhecer a verdadeira solidão, o
mundo se torna pequeno. Qualquer lugar do mundo não fará diferença, pois só faria
se aquela pessoa estivesse lá. Ela não estará, então, qual a importância de
para onde ir? Assim, você retorna a situação de errante. No final, penso que
não há outra opção ao ser humano senão a condição de errante. Dificilmente,
alguém tem a felicidade de viver por toda uma vida com a pessoa que lhe
apresentou a solidão. </span></i><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><o:p></o:p></span></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 10pt;">
<span style="font-family: Calibri;"><i><span style="font-size: 12pt; mso-ascii-font-family: Calibri; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-hansi-font-family: Calibri;">O que é válido para o sentimento de solidão pode
ser estendido para <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>outras emoções. Veja
a emoção do beijo. Ele pode ser apenas uma rotina burocrática. Odeio beijos
burocráticos, mas eles são mais comuns que deveriam. Lembra-se daquele amigo
que chega beijando todo mundo no trabalho? Pois esse é um beijo burocrático.
Ele segue uma rotina, tem um horário, tem um significado comum e pode ser
massificado. Burocracia weberiana puríssima!!! Não tem emoção nenhuma. A pessoa
te beija burocraticamente, você finge um sorriso e que gostou, e todos
experimentam aquela situação de normalidade. O verdadeiro beijo é anormal. Ele
não estava na rotina. Ele não era esperado. Ele é uma quebra de rotina. Você lá
ia naquela vidinha besta e de repente alguém surge no seu caminho, te abraça e
sem te dar tempo de pensar, te beija. Pronto! Você descobre que há tempos não
tinha sido beijado ou que nunca foi beijado! Você descobre a emoção do beijo e
a sua falta. Há pessoas que vivem uma existência inteira sem conhecer o
verdadeiro beijo, morrem sem sequer saber que ele existe. </span></i><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><o:p></o:p></span></span></div>
<br />
<div class="MsoNormal" style="background: white; line-height: normal; margin: 0cm 0cm 10pt;">
<span style="font-family: Calibri;"><i><span style="font-size: 12pt; mso-ascii-font-family: Calibri; mso-bidi-font-family: Calibri; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR; mso-hansi-font-family: Calibri;">Aqui leitor já não preciso mais explicar porque a
emoção é uma construção social. Ela não existe antes da interação, não é uma
qualidade biológica. No entanto, durante séculos foi colocada de lado como
objeto de estudo pela Sociologia, porque não possui a concretude dos números,
dos questionários, das tabelas... Como quantificar emoções? Como descrevê-las
de modo científico? Como definir suas consequências e desdobramentos? Mas esses
são desafios para Sociologia e não limitações. </span></i><span style="font-family: "Times New Roman","serif"; font-size: 12pt; mso-fareast-font-family: "Times New Roman"; mso-fareast-language: PT-BR;"><o:p></o:p></span></span></div>
</div>Cinara Lobohttp://www.blogger.com/profile/01931446388705783932noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-9023293670111324339.post-87230272705258718452012-02-02T10:09:00.001-02:002012-02-03T08:23:36.585-02:00O vampirismo cristão<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on"><link href="file:///C:%5CUsers%5Cf2053568%5CAppData%5CLocal%5CTemp%5Cmsohtmlclip1%5C01%5Cclip_filelist.xml" rel="File-List"></link><link href="file:///C:%5CUsers%5Cf2053568%5CAppData%5CLocal%5CTemp%5Cmsohtmlclip1%5C01%5Cclip_themedata.thmx" rel="themeData"></link><link href="file:///C:%5CUsers%5Cf2053568%5CAppData%5CLocal%5CTemp%5Cmsohtmlclip1%5C01%5Cclip_colorschememapping.xml" rel="colorSchemeMapping"></link><style>
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<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhQuwCbwm0gFldJ6SFuCjDhExia6HKlb_YAlXIHFfr9TcRGyolnsARiLiKgbo3dwkBs__Ucr6E2fwrohy6nzDwzMVai3TEQg9KfkVLsFjhJIc-DSky54k2mbhYsWhaOpxszJh61hJmMtO8/s1600/Crepusculo.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhQuwCbwm0gFldJ6SFuCjDhExia6HKlb_YAlXIHFfr9TcRGyolnsARiLiKgbo3dwkBs__Ucr6E2fwrohy6nzDwzMVai3TEQg9KfkVLsFjhJIc-DSky54k2mbhYsWhaOpxszJh61hJmMtO8/s1600/Crepusculo.jpg" /></a></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">Minha amiga colocou-me um problema sociológico: o vampiro da série O Crepúsculo, recorde de bilheteria no cinema e o preferido de adolescentes, quer casar antes de qualquer relação sexual. Pareceu-lhe que o vampiro perdera seu glamour ou que ocorria uma evidente contradição entre vampirismo e casamento. Em suas palavras:</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">- Veja bem, Cinara. A menina está ardendo de desejo. Quase pede: pelo amor de Deus transe comigo. E o vampiro resolve respeitá-la. Um vampiro que respeita!!! Antigamente, os vampiros davam mordidas, arrancavam sangue. Era o desejo vermelho pela alma. Agora o vampiro quer esperar o casamento!... Só casando!...</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">Para a Sociologia, é possível explicar por que o vampiro deixou de ser uma entidade maléfica? De um ser excomungado pela Igreja, a quem foi retirado o direito de morrer, tornou-se o menino bem comportado que ama de maneira contida e quer casar? Ora, se voltarmos ao Drácula de Bram Stoker – obra que marca a criação do personagem, embora a lenda do Conde Drácula seja anterior a publicação – sem dúvida, há uma distância imensa entre o personagem de O Crepúsculo e aquele do romance de 1897. </div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">O vampiro de Bram Stoker é um guerreiro que rompe com a Igreja Católica por não perdoá-la por provocar o suicídio de sua amada. Ama tanto sua esposa, que vai contra o mundo real e os céus. Condenado a viver numa zona intermediária entre o Céu e a Terra, sua alma errante inspira o desejo nas mulheres, como se o desejo fosse uma doença sem cura, que consome não apenas o corpo, mas o espírito após a morte. O desejo profano. Já o vampiro da série Crepúsculo é um vampiro cristão, que respeita o casamento como um ritual necessário e anterior ao sexo. Mas por que? Por que recriamos o vampiro como cristão no século XXI? </div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">Não tenho uma resposta pronta para a questão. Aliás, acho que a pergunta é mais necessária que a resposta. Vou dar algumas sugestões, mas antes gostaria de afirmar que vejo o fato como mais uma evidência de uma tendência comum ao comportamento moderno: estamos evoluindo para uma sociedade mais assexuada. Não vou me surpreender quando chegar o dia em que o sexo se tornará vulgar, feio, brega ou qualquer coisa do gênero.</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">Tenho um amigo homossexual que divulgou seu noivado no Facebook. Fiquei pensando, qual o sentido do noivado na relação homossexual? Os homossexuais têm tudo para serem diferentes, pois romperam com a família, o vizinho, os amigos, os coleguinhas de escola... Mas não, o indivíduo resolve dar um passo atrás e quer legitimar sua união a partir do mesmo ritual sagrado criado pela Igreja Católica. O ritual que serviu de fundamento para discriminar, queimar na fogueira os próprios homossexuais... Eles não foram apenas mais infelizes em razão da Igreja Católica, eles foram queimados vivos pela Igreja Católica. Mas no século XXI, o homossexual diz: “Nós também podemos ter um casamento cristão”. “Também somos filhos de Deus!”. “Também amamos para o todo sempre!”. “Temos o direito de constituir família, ter filhos, deixar herança...” Sim, é verdade. Acontece que todo esse arsenal capitalista, que ele reivindica, foi construído com base na renúncia à sexualidade e o movimento homossexual se fez na afirmação da sexualidade. O desejo sem justificativas. O sexo pelo sexo. </div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><br />
</div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgbMSF0vYQ8H2VlsUnH5CYfyXSXPfPFG2Pgt9v23E9R8UfEGQ0I6LascCQr5znwm7ZYWNd8PQ0W8czHvVGfGxwi3TBphG0p3xnaVjedm-Mc5ADZkhoc27dmw9hh-5-Rbz3gCBl9PWIJuOA/s1600/crepusculo3.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgbMSF0vYQ8H2VlsUnH5CYfyXSXPfPFG2Pgt9v23E9R8UfEGQ0I6LascCQr5znwm7ZYWNd8PQ0W8czHvVGfGxwi3TBphG0p3xnaVjedm-Mc5ADZkhoc27dmw9hh-5-Rbz3gCBl9PWIJuOA/s1600/crepusculo3.jpg" /></a></div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">O vampiro que quer casar antes de fazer sexo é irmão do homossexual que ficou noivo. São exemplos de um mesmo fenômeno do mundo moderno: evoluímos para uma sociedade cada vez mais disciplinar. Aqui, lanço mão de Nobert Elias para explicar o conceito. </div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">Para Elias, o tecido social, a rede de necessidades em que está o indivíduo o leva a desenvolver maior controle sobre pulsões, instintos e provoca reações emotivas a situações que antes passariam por normais ou corriqueiras. Por exemplo, hoje, soar o nariz à mesa provoca reações de nojo em quem assiste. Elias foca seus estudos na refinação dos hábitos sociais que acontece quando a nobreza migra para a Corte, na França. Demonstra que as emoções humanas não são intrínsecas, necessárias e de origem biológica. Nascem e se modificam conforme o momento histórico e a rede de relações sociais na qual estamos inseridos. Nem sempre sentimos asco, amor, tristeza pelos mesmos fatos. A disciplinalização de conduta, uma espécie de autocontrole, desenvolve reações emocionais diferentes conforme a pressão social a que o indivíduo está submetido.</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">Mas o que isso tem a ver com o vampiro que casou e o homossexual que ficou noivo? Na atualidade, associamos cada vez com maior naturalidade amor e sexo, como dois momentos necessários e coincidentes. Não nos permitimos pulsões sexuais divorciadas de qualquer sentimento. Não permitimos o desejo acontecer simplesmente, é preciso que ele ocorra num lugar específico, numa situação planejada e abençoada, coroado pelo amor. Em outras palavras, é preciso refrear os instintos e pulsões até o momento do sagrado. Sei que dirão que no passado a sexualidade foi muito mais reprimida e o casamento uma instituição muito mais legítima e necessária que hoje. Acontece que, até os anos 60, não se supunha o casamento como o espaço ideal para vivenciar a sexualidade, pois a mulher estava excluída desse direito. Somente quando conquistou lugar no mercado de trabalho, a mulher passou reivindicar e a defender a realização no casamento nos vários aspectos da vida, incluindo, o sexual. </div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">Posso afirmar, depois de tudo que li sobre casamento nos documentos da Igreja Católica, que essa instituição não foi criada para vivenciar a sexualidade. O casamento foi durante muito tempo um mero contrato econômico, laico, que ocorria entre famílias e sem qualquer participação da Igreja. Essa só irá reivindicá-lo como um sacramento, no século XII, com o objetivo político de interferir na união entre famílias nobres, o que significava a anexação ou partilha de territórios e, em outras palavras, poder. O casamento foi aceito pela Igreja como um celibato de menor grau. Pois, até então, pensava que a vida religiosa era para poucos, pois poucos estariam preparados para renunciar completamente ao mundo e a dedicar a Deus todos os seus dias. Havia um divórcio entre a vida dedicada a Deus e a vida mundana. O casamento é uma concessão da Igreja, que nasce com a reforma de seus dogmas. </div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">Quando a Igreja começa a legislar sobre o casamento, desenvolve todo um conjunto de normas, onde estabelece os períodos permitidos e até mesmo as posições aceitas na relação sexual. Há uma discussão entre historiadores sobre a influência que essas normas tiveram no crescimento populacional da Europa, já que os períodos em que o casal ficava proibido de manter relação sexual alcançavam parte considerável do ano. Somente na atualidade, o casamento passou a associar-se ao amor e a incluir também a sexualidade. O fundamento da união é o sentimento de amor, coroado pela realização sexual do casal. Essa associação, e diria confusão, entre amor, casamento e sexualidade é uma invenção atual. </div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;"><br />
</div><div class="MsoNormal" style="text-align: justify;">Há uma evidência de que é possível a união duradoura, envolvendo sentimento e sexualidade. Parece claro que as coisas devam acontecer dessa forma, mas não é tão claro assim, pois só no século XX essa convenção se popularizou. No passado, os três momentos estavam muito bem separados. O prejudicial nessa associação é que ela cria regras morais para a sexualidade: “só quando amamos uma pessoa é moralmente correto ter relações com ela”, ou que será preciso antes obedecer um ritual para viver qualquer experiência sexual. Há um elemento de incivilizado na sexualidade e no amor romântico que somente um longo processo civilizador possibilitou que a instituição casamento os incluísse e que estivessem tão naturalmente associados.</div></div>Cinara Lobohttp://www.blogger.com/profile/01931446388705783932noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9023293670111324339.post-18274355675870993162011-12-03T09:19:00.001-02:002011-12-03T09:44:14.564-02:00<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<span style="font-family: Calibri;"><em></em></span><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjdDrd9aKvv_Q-NC19R5ApILmljzzjR1_co3gFUJCJNKPj3fDnvUZ2gDqqnQFvyju26xfgvd7z9t2Gj0LAcCLOYl2Zh0p0nwbJ9uhnKssza2V54W7wgqUnXZwSh0-6som9cIordY-OoPP4/s1600/DPedro_Domitila.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="315" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjdDrd9aKvv_Q-NC19R5ApILmljzzjR1_co3gFUJCJNKPj3fDnvUZ2gDqqnQFvyju26xfgvd7z9t2Gj0LAcCLOYl2Zh0p0nwbJ9uhnKssza2V54W7wgqUnXZwSh0-6som9cIordY-OoPP4/s400/DPedro_Domitila.jpg" width="400" /></a></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Calibri;"><em>"Como tu queres que nós não
tenhamos dúvidas, se elas nascem do amor?” <span style="mso-spacerun: yes;"> </span></em></span></div>
<div style="text-align: center;">
<span style="font-family: Calibri;"><em>D. Pedro à Marquesa de Santos</em></span></div>
<span style="font-family: Calibri;"><em>
<o:p></o:p></em></span><br />
<br /><strong><span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif; font-size: large;"><em>A dicotomia entre razão e emoção</em></span></strong><br />
<span style="font-family: Times, "Times New Roman", serif;"><em><strong><span style="font-size: large;"> </span></strong><strong><span style="font-size: large;">nas cartas de D. Pedro à Marquesa de Santos</span></strong></em></span><br />
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;">
<o:p><span style="font-family: Calibri;"> </span></o:p><span style="font-family: Calibri;">A relação de D. Pedro I e D.
Domitila, conhecida por Marquesa de Santos, pareceria estranha a um
contemporâneo. Como explicar que D. Pedro I, na posição de monarca, tivesse uma
amante e que o caso fosse de conhecimento público? Não apenas os mais próximos
sabiam da amante, mas toda sociedade brasileira. Embora D. Pedro tivesse alguns
cuidados, como ir visitá-la somente à noite, adotava outras atitudes que hoje se
confundiriam com deboche. Por exemplo, viajar e levar D. Domitila junto com a
esposa na comitiva. Ou, ainda, elevá-la a condição de primeira dama da rainha D.
Leopoldina. <o:p></o:p></span></div>
<span style="font-family: Calibri;">O que pensava D. Pedro? Que o
Brasil estava afastado da verdadeira nobreza situada na Europa, então aqui era
possível “<i style="mso-bidi-font-style: normal;">sacudir fora a capa, deitar ao
fosso as lantejoulas, despregar-se, despintar-se, desafeitar-se, confessar
lisamente o que foi e o que deixou de ser</i>!” , como diria Machado de Assis</span><a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=9023293670111324339#_ftn1" name="_ftnref1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 11pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">[1]</span></span></span></span></a><span style="font-family: Calibri;">?
Ou haveria entre D. Pedro e D. Leopoldina um acordo entre dama e cavalheiro
para manter as formalidades do casamento?</span><br />
<br />
<span style="font-family: Calibri;">Importante ressaltar que a
sociedade brasileira não via com bons olhos a dupla relação de D. Pedro. Tanto
que não foi sem resistência das famílias nobres da época, que D. Domitila
matriculou sua filha, Dona Francisca Pinto Coelho de Mendonça, no colégio de
Madame Mallet, no Rio de Janeiro: <o:p></o:p></span><br />
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;">
<i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="font-family: Calibri;">“Várias das melhores famílias retiraram seus filhos do colégio. Muitas
falaram da ofensa que lhes havia sido feita com o enviar uma filha de tal
pessoa entre seus filhos, e é certo que em parte pelo sentimento geral sobre a
situação, mas principalmente por um verdadeiro respeito a Imperatriz” (Rangel,
1984:200). <span style="mso-spacerun: yes;"> </span><o:p></o:p></span></i></div>
<span style="font-family: Calibri;">Apesar das resistências e
críticas, o caso com D. Domitila era notoriamente conhecido<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>pela sociedade e reconhecido pelos familiares.
Tanto era pública a segunda relação, que D. Pedro registrou todos os filhos que
teve com Domitila e, por decreto, obteve o reconhecimento da Igreja Católica. Nas
cartas que escreveu à amante, em vários momentos envia <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>lembranças aos seus familiares e empenha ajuda<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>financeira. Entre as cartas organizadas por Alberto
Rangel, constam algumas direcionadas diretamente ao pai e a mãe de Domitila.
Deduz-se daí que o relacionamento era conhecido e aceito por seus familiares.<o:p></o:p></span><br />
<br /><span style="font-family: Calibri;"><span style="mso-spacerun: yes;"> </span>A hipótese que tenho é que para D. Pedro era
natural manter<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>uma amante, pois o
casamento não incluía a realização sentimental, não exigia para a sua
concretização qualquer sentimento entre o casal, que não fosse de respeito e no
máximo amizade. O amor acontecia fora do casamento, como um sentimento marginal.
Por essa razão,<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>não havia contradição
para D. Pedro I entre estar casado e nutrir um sentimento devotado por outra
pessoa. Tanto que em todas as cartas a Domitila, D. Pedro conclui dizendo-se
“<em>amigo, amante, fiel, constante, desvelado, agradecido e verdadeiro</em>” (idem,
215). Para o imperador, a situação de amantes não diminuía o sentimento, não o
tornava menos verdadeiro e<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>fiel. O
casamento era meramente uma exigência política e social, que ele, compreendendo
a sua posição, respondia a contento. <o:p></o:p></span><br />
<br /><span style="font-family: Calibri;">Quando D. Leopoldina vem a
falecer, há uma expectativa se ele se casaria ou não com D. Domitila. No
entanto, nas cartas que trocam os amantes, em nenhum momento eles discutem essa
hipótese. É interessante a maneira como racionalmente D. Pedro escolhe quem
será a sua segunda esposa oficial. Atribui ao barão Maréschal o trabalho de
buscar um segundo casamento. Inicialmente, eles passam em revista as damas da
nobreza solteiras: <i style="mso-bidi-font-style: normal;">“...Ele então disse
que sabia, pela finada imperatriz, que a duquesa Marie Anne era muito doentia,
o que não lhe convinha. Fez outra objeção à princesa de Nápoles e lembrou-se
naturalmente das duas princesas da Baviera</i>” (idem: 209). Ele deveria,
então, enviar correspondência à corte dessas possíveis noivas e aguardar até um
ano a resposta. Como o prazo lhe pareceu muito longo, resolveu solicitar ao seu
ex-sogro a mão de uma de suas cunhadas. Mais prático.<o:p></o:p></span><br />
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;">
<span style="font-family: Calibri;">O barão Maréschal, responsável
por realizar contatos com o imperador da Áustria, conclui que: <i style="mso-bidi-font-style: normal;">“Tal casamento restabelecerá nossas relações
e facilitará os negócios com Portugal, e penso mesmo que a princesa que
conceder sua mão a Dom Pedro, se agir com inteligência, não terá que se
arrepender de sua decisão” (idem: 209).</i><o:p></o:p></span></div>
<span style="font-family: Calibri;">As cartas de D. Pedro à Marquesa
de Santos ilustram muito bem a tese que venho defendendo neste blog: a associação
entre amor, sexualidade e casamento só aconteceu recentemente. Mesmo no século
XIX, que é o momento em que se desdobra a história de amor do imperador
brasileiro, tal associação ainda não está consolidada. O amante daquele século
sabia diferenciar muito bem casamento e amor, também tinha convivência pacífica
com sua sexualidade. Chama a atenção a forma natural como D. Pedro descreve os
problemas fisiológicos ou infecções que ocorriam ao seu órgão sexual. Não é uma
troca de intimidade entre amantes. Hoje, seria muito mais romântico não fazer
tais descrições:<o:p></o:p></span><br />
<br /><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="font-family: Calibri;">“Tua coisa apenas deitou uma pequena lágrima de água branca e tem a
venta alguma coisa arrebitada, mas não há de ser nada e creio que será
procedido da debilidade que ainda entretém esta umidade no canal da uretra”
(idem:49)<o:p></o:p></span></i><br />
<br />
<div class="MsoNormal" style="margin: 0cm 0cm 10pt; text-align: justify;">
<i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="font-family: Calibri;">“Para veres a esquisitice de tua coisa, remeto a camisa, e onde vai
pregado um alfinete verás oque deitei espremendo às seis horas, e mais acima o
que espremi depois, que já não é nada” (idem:39) <o:p></o:p></span></i></div>
<span style="font-family: Calibri;">As cartas de D. Pedro demonstram,
ainda, outra hipótese que tenho defendido neste blog, a de que durante muito
tempo <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>o amor erótico foi<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>tratado como um sentimento que deveria
localizar-se fora da <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>família. Em razão
de suas características e<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>do
comportamento que dele derivava, não poderia servir como fundamento para o casamento.
Reconhecia-se no amor aspectos de “irracionalidade”, que impediriam estruturar
uma família tendo-o por base. Quero afirmar que nossos antepassados delimitaram
com maior clareza a esfera de racionalidade e a esfera da irracionalidade da
vida. <o:p></o:p></span><br />
<br /><span style="font-family: Calibri;">Embora até hoje reconheçamos o
comportamento um pouco irracional de quem se apaixona, a novidade é que só agora
ele tornou-se a base do matrimônio. <span style="mso-spacerun: yes;"> </span>O
amor passou a existir dentro de uma instituição voltada para responder a
questões objetivas da vida como: criar filhos, educá-los, pagar as contas no
final do mês, planejar orçamento etc. A associação entre casamento e amor
seria tão absurda ao homem do século XIX, quanto é para nós hoje exigir que dois
empresários, a fim de constituir sociedade comercial, tenham que se apaixonar e
fazer sexo. <o:p></o:p></span><br />
<br />
<div style="mso-element: footnote-list;">
<hr align="left" size="1" width="33%" />
<div id="ftn1" style="mso-element: footnote;">
<div class="MsoFootnoteText" style="margin: 0cm 0cm 0pt;">
<a href="http://www.blogger.com/blogger.g?blogID=9023293670111324339#_ftnref1" name="_ftn1" style="mso-footnote-id: ftn1;" title=""><span class="MsoFootnoteReference"><span style="mso-special-character: footnote;"><span class="MsoFootnoteReference"><span style="font-family: "Calibri","sans-serif"; font-size: 10pt; line-height: 115%; mso-ansi-language: PT-BR; mso-ascii-theme-font: minor-latin; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin; mso-hansi-theme-font: minor-latin;">[1]</span></span></span></span></a><span style="font-size: x-small;"><span style="font-family: Calibri;">Assis,
Machado. s/data. Memórias Póstumas de Brás Cubas, Edigraf, São Paulo, Brasil,
página 69.<o:p></o:p></span></span></div>
</div>
</div>
<div align="right">
</div>Cinara Lobohttp://www.blogger.com/profile/01931446388705783932noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9023293670111324339.post-43926247751788503402011-03-07T11:02:00.009-03:002011-03-07T11:14:05.913-03:00Sem tempo para as anáguasQuem se lembra das anáguas? Minha mãe abandonou vários vestidos porque, quando andava, deixavam a anágua aparecer. Assim como também passou a não falar com amigas que propositalmente permitiam a rendinha da anágua vir a público. Não eram confiáveis. Essa peça íntima simplesmente sumiu do guarda-roupa feminino. Não encontramos uma última unidade nem mesmo em lojas de departamento ou em armarinhos antigos. Restou a lembrança daquele tempo quando não se permitiam roupas transparentes, em que o pudor era uma qualidade necessária no mundo feminino. Uma mulher sem pudor perdia a honra, que era o capital social mais importante que possuía. Não bastavam modos recatados, era preciso esbanjar a honra, parecer ter pudor, daí a função das anáguas. É como hoje, não basta ser magro é preciso esbanjar magreza com fotos no Facebook e Orkut ou reclamando em público de suas horas em academia. <br />
<br />
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgnT_hidKtowKmrPBDZhixC5YeeMjJHkZaLYkIhwfB2PbpDrpnHcrnkqjkxF89lVz0fTFYlb88FItPgvTkUR9rjDy58fR8V2fGXEY-aRh-B6As02kkpDwAVSspJl6LEmJuKrvx7sK5mcW8/s1600/an%25C3%25A1gua2.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; cssfloat: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" q6="true" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgnT_hidKtowKmrPBDZhixC5YeeMjJHkZaLYkIhwfB2PbpDrpnHcrnkqjkxF89lVz0fTFYlb88FItPgvTkUR9rjDy58fR8V2fGXEY-aRh-B6As02kkpDwAVSspJl6LEmJuKrvx7sK5mcW8/s1600/an%25C3%25A1gua2.jpg" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><em>Rendas na barra da anágua</em></td></tr>
</tbody></table>As anáguas contribuíam para disfarçar a musculatura do bumbum e coxas, mas também tinham seu charme. Na barra, se costuravam românticas rendinhas que eram um toque de sensualidade revelado somente entre quatro paredes, depois de vencidas todas as etapas da sedução. Eram tão sensuais as rendinhas que a moda do século XXI fez uma releitura delas – foram colocadas propositalmente e descaradamente na barra das saias. Veja bem caro leitor, não são saias com rendas, simulam anáguas com rendas, como se fossem uma sobreposição. <br />
<br />
Desta forma, assim como as alças dos sutiãs finalmente vieram a público – mal sabe o mundo masculino durante quantos séculos as mulheres sofreram com roupas que deixavam a alça do sutiã aparecer – as anáguas também ganharam as ruas e a luz do dia. Acontece que a sensualidade exposta acaba menos sensual, pois o desejo surge da fantasia e não do que os olhos vêem. <br />
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgmqhuh68Q1C0M5J2S3AaO10uN_P4JlrtiwHx2lGpnlzuXw5jRQhqnvsL75QqoZCeRX5xQ8rkvAgWXsdiwRgt5IYkVu9E4S86Jb0Xgcs0BfDxeVsjqm-AjAe-KudS2pKILLf6EYfIFludU/s1600/an%25C3%25A1guaXXI2.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; cssfloat: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" q6="true" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgmqhuh68Q1C0M5J2S3AaO10uN_P4JlrtiwHx2lGpnlzuXw5jRQhqnvsL75QqoZCeRX5xQ8rkvAgWXsdiwRgt5IYkVu9E4S86Jb0Xgcs0BfDxeVsjqm-AjAe-KudS2pKILLf6EYfIFludU/s1600/an%25C3%25A1guaXXI2.jpg" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><em>Moda do século XXI reedita as anáguas</em></td></tr>
</tbody></table>Mas contei toda essa história das anáguas para perguntar por que nossa sociedade precisa tanto exibir sensualidade? Por que a sensualidade tornou-se pública? Saiu da intimidade e passou a ser exposta em vitrines, outdoors, catálogos, TVs?... De forma que não restou mais nenhum susto em relação à nudez. <br />
<br />
Quando eu era criança, na época do Carnaval, havia sempre uma expectativa em relação às roupas das passistas. Qual seria a ousadia naquele ano? Sempre achei que chegaria um momento que não sobraria mais nada para ser retirado. Me perguntava: quando a nudez vai acabar? E agora aconteceu, a nudez acabou. Não existe mais nudez no sentido de algo a ser revelado. Somos a sociedade que precisa de artifícios para a sensualidade, que precisa retornar ao passado e buscar seus ícones de sensualidade. Mas não é só a nudez que acabou, a honra feminina deixou de ser um valor.<br />
<br />
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjYYZOZM8qQJFdV2Yd7_Ap3IbevDx9rHsiavr1LNdszWC9XyxYeFdTQil-LvG0j_yl76jCvnLziiNBbjcxe7eE-oQpM0qRbzGkmrPXmmSihINO2yJPCV_fDKKHWIKox-W8XTE0v1UGezEw/s1600/an%25C3%25A1guaXXI.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; cssfloat: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" q6="true" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjYYZOZM8qQJFdV2Yd7_Ap3IbevDx9rHsiavr1LNdszWC9XyxYeFdTQil-LvG0j_yl76jCvnLziiNBbjcxe7eE-oQpM0qRbzGkmrPXmmSihINO2yJPCV_fDKKHWIKox-W8XTE0v1UGezEw/s1600/an%25C3%25A1guaXXI.jpg" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;"><em>Anáguas a mostra no séc.XXI</em></td></tr>
</tbody></table>A honra tinha um custo para a mulher e também para o homem, em outras palavras, não era fácil manter a honra, exigia grande dispêndio de tempo e para não dizer de dinheiro. Para proteger sua honra a mulher adiava qualquer aproximação até ter certeza de que a pessoa ao seu lado era mesmo o grande e único amor de sua vida. Desta forma, havia todo um ritual de sedução, de conquista e de resistência: o flerte, o pegar na mão, o segurar na cintura.... Todo um ritual que foi sendo esvaziado e substituído por praticidade e funcionalidade. <br />
<br />
Não quero dizer que as mulheres dos anos 50 e 60, antes da revolução sexual, eram mais felizes. Não estou querendo reviver a censura à sexualidade, apenas digo que a liberação não precisava vir acompanhada necessariamente do exíguo tempo que desprendemos hoje conhecendo o outro. A praticidade e a funcionalidade do mundo moderno estenderam-se a relação a dois. Raramente saímos com outra pessoa somente para conversar. Raramente temos tempo para seduzir alguém com olhares e gestos, vai-se direto ao assunto. E o assunto é o que interessa. <br />
<br />
É assim que não há mais tempo a se perder com anáguas. É preciso deixar a mostra, conhecer rápido, falar o que se deseja, nada de insinuar. Preocupações mais importantes que as conquistas e jogos amorosos nos ocupam: o trabalho, a urgência da empresa, a concorrência, a estrema especialização, o conhecimento infindável... A honra não é mais um valor para a mulher, ela pode ir ao mercado de trabalho ganhar dinheiro e comprar honra. Aliás, outras qualidades se associaram a honra, o reconhecimento do mercado de trabalho, a remuneração pelo trabalho prestado, os artifícios de status resultantes do cargo.Cinara Lobohttp://www.blogger.com/profile/01931446388705783932noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9023293670111324339.post-11946354391223711852011-03-01T09:37:00.002-03:002011-03-07T11:17:52.174-03:00Idéias sobre o livro de Stone<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj9qrFB8j03wxkKP1AhSAPqoqMxrB4-xWgWQ_MuJnSHfyydErW6BvQ3eJmkXPBcO8Nzmjb7SOOJzQioiEgteeXRYRc8uPh2NtUSbov-DxYHUEqGVTwiGapSpL2lyVgAqKmR2ptrnnyd9ds/s1600/Lawrence+Stone.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; cssfloat: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="233" l6="true" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj9qrFB8j03wxkKP1AhSAPqoqMxrB4-xWgWQ_MuJnSHfyydErW6BvQ3eJmkXPBcO8Nzmjb7SOOJzQioiEgteeXRYRc8uPh2NtUSbov-DxYHUEqGVTwiGapSpL2lyVgAqKmR2ptrnnyd9ds/s320/Lawrence+Stone.jpg" width="320" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Lawrence Stone</td></tr>
</tbody></table>Estava lendo "A transformação da Intimidade" de Giddens e ele citou Lawrence Stone: "Família, sexo e matrimônio na Inglaterra 1500-1800". Consegui encontrar o livro, em espanhol, numa livraria em Sampa. Estou gostando muito e será muito útil no meu trabalho de pesquisa. Há dados interessantes como a descrição que faz do matrimônio na baixa Idade Média. Embora tenha lido muito sobre esse período, ainda não havia dado conta da relação que ele estabelece entre propriedade, patriarcado e matrimônio. <br />
<br />
<br />
Numa sociedade sem a presença do Estado, a segurança da família é a propriedade. Ela garante não apenas prestígio, poder, ganhos econômicos, mas também a segurança física. Quanto maior o número de pessoas que vivem em torno da propriedade, maior o poder do nobre, pois maior é a quantidade de braços para a guerra. Nesse cenário, o matrimônio não pode ser uma questão individual, pois tem implicações para todos os entes familiares. <br />
<br />
Tudo muda de figura quando a propriedade deixa de ser o centro da organização da vida social. O patriarca é esvaziado de seu poder pelo Estado e pela Igreja. Outras alternativas de renda aparecem que não apenas aqueles provenientes da propriedade rural. A sociedade começa a abrir espaço para a individualidade em conseqüência de mudanças na transmissão de herança, na subordinação dos filhos aos pais e na defesa da propriedade privada, além de um processo de urbanização crescente que esvazia o poder patriarcal. Essas mudanças possibilitam a vontade individual e também o matrimônio baseado em afinidades e afeto. <br />
<br />
No entanto, nesse percurso histórico há questões que permanecem em aberto, como o próprio Stone reconhece. Ele diz que durante o período patriarcal, que ele data anterior ao século XVI, as relações entre pais e filhos e marido e mulher eram muito estúpidas e violentas. Descreve casos de agressão, que para ele, não eram casos isolados, mas constantes. Guerras, doenças e o alto índice de mortalidade infantil impediam que os pais guardassem muito zelo para com os filhos. Ele credita à fragilidade da vida humana em geral o baixo sentimento de estima que havia entre pais e filhos, ou entre marido e mulher. Em geral, as pessoas casavam-se várias vezes, pois enviuvavam novas. A média de vida era de 32 anos. Os filhos dificilmente eram criados pelos pais, mas entregues a amas, avôs e tios, em razão também da morte prematura. <br />
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A partir do século XVII, essas relações passam por uma transformação. Emerge a família nuclear burguesa com a dedicação da esposa ao lar, o carinho dos pais aos filhos e o cuidado com a educação das crianças. Qual é a fonte destas mudanças? A morte deixou de ser um fato inevitável, aumentou-se a expectativa de vida das crianças e dos adultos? É aqui que sua análise fica a desejar. Ele enumera razões ideológicas, religiosas e econômicas sem aprofundar em nenhuma. Particularmente, acho suas razões ideológicas fracas: liberalismo (John Locke) com sua defesa da propriedade individual e os direitos naturais do homem. E as religiosas são conhecidas, o protestantismo com seu organizar o mundo, exigindo maior atenção dos pais a educação dos filhos com conseqüências também sobre a introspecção: “O puritano estava constantemente em busca de sua alma, realizando um inventário moral e espiritual para descobrir se estava ou não entre os eleitos por Deus” (Stone, 1990: 127). Quanto as econômicas, as mudanças estavam basicamente no surgimento da propriedade privada tal qual a conhecemos hoje e do capitalismo com suas novas oportunidades, além da alfabetização de uma parcela maior da população. <br />
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“Na raiz de todas as mudanças mais importantes dos fins do século XVII e do XVIII se encontra uma progressiva reorientação da cultura para a busca de prazer no mundo, mais que desejar a gratificação para o seguinte. Um aspecto foi a crescente confiança na capacidade do homem para dominar o meio ambiente e moldá-lo para seu uso e benefício... esta reorientação das metas humanas foi possível graças a mudança de uma atitude de resignação passiva diante da enfermidade, a exploração, a pobreza e a miséria como parte da vontade de Deus e que eram atenuados somente pela promessa de recompensa após a morte” (idem:131).<br />
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Entre a descrição que ele faz num primeiro momento para as mudanças que aponta um século depois há um <em>gap</em>. O que aconteceu com o homem que espancava mulheres e filhos, torturava os servos, e não se submetia ao poder central da Igreja e do Estado? Não são apenas mudanças de ordem econômica, mas mudanças de conduta. As justificativas e explicações de Stone são insuficientes para a transformação que aponta.<br />
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Sentimos falta de um Nobert Elias, que descreva com riqueza de detalhes o jogo de relações entre os indivíduos, as pressões e controles sociais que acabam levando a alterações na estrutura da personalidade, a maior auto-controle sobre as pulsões, instintos primários e emoções. Creio que há um conjunto de mudanças que levam a transformações na intimidade da família, que deve ser tratado como processos casuais e independentes que se somam. Não vou descrevê-los, apenas enumerá-los para que outro dia possamos voltar a este assunto:<br />
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a) O enfraquecimento da nobreza rural e de seus valores e de suas formas de convivência: heroísmo, violência física e patriarcalismo. O fortalecimento da nobreza de corte com conseqüente avanço das regras sociais palacianas.<br />
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b) O surgimento dos jogos de amor como uma forma de entretenimento na vida social. O amor marginal, excluído da vida familiar.<br />
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c) O fortalecimento da burguesia e a reinvenção da família. A vida torna-se urbana, casas menores, menor número de criados, presença da esposa na educação dos filhos. <br />
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d) A conduta moral burguesa como um distintivo social em relação a conduta do nobre, tido como desregrado, imoral e perdulário.<br />
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e) Esvaziamento do poder patriarcal em favor da Igreja e do Estado. Centralização das normas do matrimônio nessas instituições.Cinara Lobohttp://www.blogger.com/profile/01931446388705783932noreply@blogger.com29tag:blogger.com,1999:blog-9023293670111324339.post-54969008912887988712010-12-14T12:16:00.001-02:002010-12-14T13:22:01.526-02:00Aprender a perder tempo<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"></div><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"></div><br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"></div> <a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhWXivpqA0ebszJkijYuHagBdhFLsr9Gs7Oc1fE5fS6dcarDGrf5ZOdH_Vy0dgKp6qj0zmVmgvV7bghfaXBlxnYG_Szv03a_aaYFg_Nf9cCteqA_JNdKVQ7p1txnGvsddWlfdxQxWvR0Tk/s1600/Tempo_e_Amor.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; cssfloat: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="212" n4="true" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhWXivpqA0ebszJkijYuHagBdhFLsr9Gs7Oc1fE5fS6dcarDGrf5ZOdH_Vy0dgKp6qj0zmVmgvV7bghfaXBlxnYG_Szv03a_aaYFg_Nf9cCteqA_JNdKVQ7p1txnGvsddWlfdxQxWvR0Tk/s320/Tempo_e_Amor.jpg" width="320" /></a><br />
A modernidade inventou o hábito de cronometrar o cotidiano. Refiro-me a estranha mania de colocar horário para tudo: para acordar, para trabalhar, para aprender, para amar, para lanchar... É verdade que sempre houve certa divisão de rotinas, mas sem a precisão das horas. Basta lembrar que Galileu estabeleceu as primeiras relações entre espaço e tempo no século XVI. Em 1595, ele descobriu a Lei do Pêndulo, que contribuiu para o avanço dos relógios mecânicos, embora os primeiros relógios fossem artigos de luxo, verdadeiras jóias e símbolos da alta aristocracia. Eram usados mais por status que por sua utilidade.<br />
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O fixar tempo para as mínimas ações humanas surge da necessidade de tornar a produção eficiente. Produzir o máximo no menor tempo é um preceito que orientou a revolução industrial e que serviu para regular as relações econômicas e produtivas, mas que não deveria se estender, como ocorre atualmente, a todas as esferas da vida, inclusive a sentimental. <br />
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Hoje, o tempo passou a servir de medida não só para observar quantidade de objetos produzidos, mas também para avaliar realização pessoal. Somos mais ou menos realizados conforme consigamos conquistar um bom emprego, comprar uma casa, ter um filho, estabelecer uma relação estável com outra pessoa, concluir os estudos... em prazos previstos. Nos tornamos responsáveis por fechar certos ciclos da vida na idade convencionada como correta, não importam os acasos, as diferentes experiências, os desejos e valores que nos orientam. Certos padrões de idade e realização se fixaram como corretos e as pessoas são responsabilizadas, individualmente, caso não os cumpram.<br />
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<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEih0hKZnXOyw69a-_FtNSmpgCS1S40GcPCeFMovHay1RVMRpnFjbEzt4t7cOGbu1QZ2SwIFmMT0pXJ5iVpvN5n3SKOFiT5LYl5pf1NPEaDX0xtJZ4XuQca5AZLEcJsz7eBPE-LdGWUm0Zg/s1600/TempoeAmor5.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; cssfloat: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="158" n4="true" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEih0hKZnXOyw69a-_FtNSmpgCS1S40GcPCeFMovHay1RVMRpnFjbEzt4t7cOGbu1QZ2SwIFmMT0pXJ5iVpvN5n3SKOFiT5LYl5pf1NPEaDX0xtJZ4XuQca5AZLEcJsz7eBPE-LdGWUm0Zg/s200/TempoeAmor5.jpg" width="200" /></a></div>É preciso alcançar determinados resultados na vida pessoal, do contrário, por alguma razão o sujeito será menos que o outro, seja porque não soube aproveitar oportunidades, gerenciar emoções e desejos, superar fraquezas, ser persistente e disciplinado, fazer as melhores escolhas, enfim, ser eficiente na esfera privada. Desta forma, se o tempo foi uma variável relacionada à eficiência e produtividade no mundo econômico, tornou-se um importante indicador para avaliar se o indivíduo soube bem conduzir sua vida pessoal para uma situação estável. <br />
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Ao tornar-se uma medida aplicável a qualquer dimensão da vida, o tempo fez aumentar a auto-exigência, a auto-regulação, sobre domínios que não temos completo controle ou que não permitem padronizações. Como posso saber quando vou me apaixonar? E como pode ser minha a responsabilidade pelo prazo em que essa paixão vai durar? E por que sou mais ou menos apaixonado conforme minha relação dure mais ou menos? Como diria Vinícius de Moraes, há relações que “são eternas enquanto duram”. A experiência do que vivemos e como, e a avaliação se valeu à pena ou não são individuais; não são passíveis de padronização. <br />
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<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjN6o2OoZ8axj7RwR9MwT6RxUq_FmpCw6Z9FFkT2oyDnnGxRK-ZpWMYTIvXHPo8W0cF4vRu8TzL4ohzCW3XOob6sFQ1lS6GEHS00yIYyKmA_KcfeNpiq3TgKmzvEWgTfsuo28FNiKSom_o/s1600/TempoeAmor4.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; cssfloat: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="240" n4="true" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjN6o2OoZ8axj7RwR9MwT6RxUq_FmpCw6Z9FFkT2oyDnnGxRK-ZpWMYTIvXHPo8W0cF4vRu8TzL4ohzCW3XOob6sFQ1lS6GEHS00yIYyKmA_KcfeNpiq3TgKmzvEWgTfsuo28FNiKSom_o/s320/TempoeAmor4.jpg" width="320" /></a></div>Ora, mas se passamos a avaliar nossas realizações pessoais pela variável tempo, somos também mais ou menos eficientes conforme venhamos a concluir ou não os necessários ciclos da vida nos prazos previstos. Eficiência passa a ser um conceito aplicável a esfera privada. Dessa associação decorre uma terceira, tão estranha quanto, a de tornar eficiência sinônimo de felicidade. Nos acostumamos a pensar que pessoas realizadas são pessoas felizes. <br />
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Para superar esta confusão, precisamos ter claro que o controle do tempo é uma estratégia para disciplinar o indivíduo. Contar o tempo que o operário leva para desenvolver certa tarefa, por exemplo, é uma forma de impedir que ele se disperse em conversas e devaneios. Aplicado como medida a dimensão privada de nossas vidas, o tempo funciona como autocontrole, com um resultado disciplinar ainda mais rígido e eficiente que qualquer controle externo, pois passa a ser realizado pelo próprio indivíduo e se estende a sua intimidade, aos seus pensamentos, sentimentos e emoções. Regula suas escolhas mais particulares, num nível de profundidade que seria impossível de ser penetrado pelas instituições.<br />
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Como o Estado pode dizer como devemos amar, por quanto tempo e se é correto ou não nos entregarmos a uma paixão avassaladora e doentia? A Igreja até pode fazer recomendações, mas que poder ela tem para alterar suas escolhas? Ocorre que, mesmo sem qualquer força coercitiva externa, olhamos para o tempo que regula nossas vidas e pensamos: “É melhor acabar agora esse relacionamento, ele já está atrapalhando o meu trabalho. Estou perdendo tempo demais com essa pessoa”. E corremos para a estabilidade do casamento antes que seja tarde demais. <br />
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O tempo é, assim, uma fonte contínua de ansiedade por cumprir prazos e exigências colocados principalmente por aqueles que nos são mais próximos e caros: amigos, parentes, vizinhos, colegas de trabalho. O tempo tem um peso direto sobre a identidade do indivíduo, a imagem que faz de si mesmo, e o prestígio que goza junto aos grupos de que participa. Por isso, é muito difícil para qualquer pessoa romper com a medida de tempo e experimentar sua vida sem qualquer preocupação com o resultado e quando atingi-lo. A atitude mais comum é entregar-se a essa neurose coletiva.Cinara Lobohttp://www.blogger.com/profile/01931446388705783932noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-9023293670111324339.post-65223931622076245572010-10-08T18:47:00.003-03:002010-10-09T07:36:34.273-03:00Comer, rezar, amar<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiOkkbFYuHQtTxw8jNVn87l5Sq2Vbw5hvAyqdTbfTssvIXVQwVDB5l9WZSmWc7Tnph2afoYrmP-kDBKLbJI3hm372rtLo6CEfeIITeXK0Cv-8y7JK3Z0jzdOkG4bcHsFU5q7GN-35YyF5s/s1600/ComerRezarAmar.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; cssfloat: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" ex="true" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiOkkbFYuHQtTxw8jNVn87l5Sq2Vbw5hvAyqdTbfTssvIXVQwVDB5l9WZSmWc7Tnph2afoYrmP-kDBKLbJI3hm372rtLo6CEfeIITeXK0Cv-8y7JK3Z0jzdOkG4bcHsFU5q7GN-35YyF5s/s1600/ComerRezarAmar.jpg" /></a></div>“Aqui nos Estados Unidos, o casamento tem um poder místico, intangível: é um passaporte para a idade adulta, para a respeitabilidade e, em certa medida, para a cidadania. Qualquer relacionamento ou estado civil que não seja ‘casado’ é considerado indigno”. A afirmação é de Elizabeth Gilbert, autora do best-seller “Comer, rezar, amar”, numa entrevista a revista Marie Claire. Seu livro deu origem ao filme com mesmo nome e que estreou esta semana nos cinemas brasileiros. <br />
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Nele não são apenas os americanos que valorizam tanto o casamento. Liz (personagem principal vivida por Julia Roberts) é questionada várias vezes por outras mulheres a respeito de seu estado civil e é com certo constrangimento que ela responde ser divorciada. Chega a confessar ao amigo que nutria um sentimento de culpa por ter terminado seu casamento, aparentemente, estável e com uma pessoa que gostava dela. <br />
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Liz resolve concluir a relação, quando percebe que o sentimento e o desejo sexual se esgotaram e que o casal passaria a uma vida de aparência. Ao terminar o casamento, ela sai a procura do auto-conhecimento e de equilíbrio espiritual. Sua busca é bem ao estilo dos livros de auto-ajuda orientais. <br />
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Assistindo ao filme, eu me perguntava: que fundamento para a vida ela encontrará? Confesso que alimentei com certa expectativa a esperança de algo que me surpreendesse. Não foi o que aconteceu. Liz roda três países para extrair conclusões que estão em qualquer livro de auto-ajuda: viver o prazer em si mesmo, livrar-se de qualquer sentimento de culpa e abrir-se para o risco de um novo relacionamento. No final do filme, sua grande conquista é amar novamente com a mesma paixão do primeiro amor. Se ela tivesse encontrado o atual marido no início do filme, os outros ensinamentos seriam dispensáveis. <br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiAR8Co70v2BIr39CKp7-j0zn-8bEttTobvXsBho-Iydk0osGMWBWGDgUZX6KmnWZUZZa72Nci7A62Tg07d2dE5xZDvrJF39bzO2FMq4KAdt09Jl2ffUAielZSnzsJrpoEmEbSvMz97KB0/s1600/ComerRazarAmar.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; cssfloat: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" ex="true" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiAR8Co70v2BIr39CKp7-j0zn-8bEttTobvXsBho-Iydk0osGMWBWGDgUZX6KmnWZUZZa72Nci7A62Tg07d2dE5xZDvrJF39bzO2FMq4KAdt09Jl2ffUAielZSnzsJrpoEmEbSvMz97KB0/s1600/ComerRazarAmar.jpg" /></a></div><br />
Podemos concluir, depois de assistir a “Comer, rezar e amar”, que a grande realização para a mulher é mesmo o casamento e, principalmente, quando ele vem acompanhado de um pouco de paixão. A conquista de Liz não é o amor com sexo avassalador, ou alguém por quem tenha que superar preconceitos sociais, raciais, etc. Não, é um amor adocicado, cotidiano, brejeiro. Sem altos nem baixos, mas constante como os finais de semana em família. Assim o fundamento para sua existência, sua grande conquista, é recuperar a situação de mulher casada, que a legitima socialmente.<br />
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Não sou atraída por esses amores bem-comportados, mas pelos amores ao estilo de Nelson Rodrigues. Em “Asfalto Selvagem: Engraçadinha, seus pecados e seus amores”, Luís Cláudio, um funcionário do Itamaraty, propõe a Engraçadinha: “Vamos fugir?” Ela pergunta: “Fugir? Ele responde: “Fugir, sim. Fugir simplesmente. É tão simples fugir”. O amor tem esse ímpeto de romper com tudo sem qualquer preocupação com o que virá depois. Fugir para onde? E fazer o que depois de fugir? Perguntaria qualquer pessoa numa situação de normalidade. Mas quem ama não se pergunta pelo que vai acontecer logo ali em frente. Por um momento a sociedade não existe. É completamente o oposto de quem está preocupado em legitimar-se na sociedade. Diz Renato Janine Ribeiro que o conflito com a sociedade do herói apaixonado vai além daquele vivido pelo revolucionário, pois esse ainda deseja salvar ou recriar a sociedade. Já o apaixonado escolhe a morte social, a morte de suas honras e riquezas, às vezes a própria morte (A Paixão Revolucionária e a Paixão Amorosa em Stendhal).Cinara Lobohttp://www.blogger.com/profile/01931446388705783932noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-9023293670111324339.post-68981718170664933992010-10-05T19:54:00.002-03:002011-03-09T22:48:50.040-03:00O amor não é produtivo <br />
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: left; margin-right: 1em; text-align: left;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhmUUEVX1AKshXsEfOYqBTJgljwTdHYCgSyBZ24RTf9pnyeVgN11R5ADfEuutpb4F7vuuT34qs1m7cXeNthyESuFBoGzaHkH2AB3HMeT92Ov-W7wW_xQzj7msh9YQd-gJ4aamnrlevV0ag/s1600/AdaoEva2.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; cssfloat: left; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="320" px="true" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhmUUEVX1AKshXsEfOYqBTJgljwTdHYCgSyBZ24RTf9pnyeVgN11R5ADfEuutpb4F7vuuT34qs1m7cXeNthyESuFBoGzaHkH2AB3HMeT92Ov-W7wW_xQzj7msh9YQd-gJ4aamnrlevV0ag/s320/AdaoEva2.jpg" width="224" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Adão e Eva, de Lucas Cranach</td></tr>
</tbody></table> Nenhuma outra sociedade, a não ser a moderna sociedade ocidental, estabeleceu o amor como base para o casamento. E é fácil entender a razão. O amor paixão é conflituoso com as rotinas da vida cotidiana. Pode fazer o indivíduo alternar situações de estrema tristeza a estrema euforia. Outras horas, o conduz ao simples estado contemplativo. Costuma também não respeitar as regras de relacionamento estabelecidas, subverte diferenças de renda, escolaridade, idade, raça e religião. <br />
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“O envolvimento emocional com outro é invasivo – tão forte que pode levar o indivíduo ou ambos os indivíduos, a ignorar suas obrigações habituais”, diz Giddens (1993: 48). Sem contar, que nunca sabemos realmente se de fato amamos. Podemos morrer de amor por alguém hoje e simplesmente odiá-lo amanhã. Por essa razão, em qualquer outra sociedade, o casamento se assentou em fundamentos mais sólidos e estáveis que o estado de encantamento do amor paixão. Estabeleceu-se a partir de contratos econômicos, trocas familiares e obrigações recíprocas. <br />
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Mas não é apenas a instituição casamento que, para sua sobrevivência, exige certo domínio sobre as emoções, várias outras organizações e instituições teriam seu funcionamento comprometido se os indivíduos que delas participam não soubessem ou não estivessem dispostos a controlar seus ímpetos de raiva, tristeza, alegria... Simplesmente, o mundo moderno com seus horários, exigências de produtividade, interações civilizadas não seria possível se não tivéssemos aprendido a dominar a torrente de nossos sentimentos.<br />
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Freud e Foucault descrevem a repressão da sexualidade como condição para o desenvolvimento de nossa cultura. A libido foi desviada da realização sexual para o trabalho, a arte, a produção intelectual, diz Freud. Já Foucault acredita que o Ocidente desenvolveu técnicas para reprimir a expressão da sexualidade e controlar a intimidade. Mas penso que os instintos e impulsos sexuais são apenas parte de um problema maior que é controlar e dominar todas as nossas emoções. Embora a sexualidade seja conseqüência também de nossas emoções – indivíduos tristes sentem menos disposição sexual, assim como o ciúme alimenta a imaginação e ativa em alguns casos o desejo sexual – não é suficiente o controle sobre a sexualidade e diria até que ele é mais fácil de se obter que o controle sobre a emoção. <br />
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A revista Veja (ano 43, n. 39, setembro 2010) traz uma matéria interessante sobre as emoções. Segundo a reportagem, as emoções estão associadas à tomada de decisões, das mais simples às mais complexas, e também resultam de algumas substâncias químicas produzidas pelo nosso organismo. Para o argumento que desenvolvemos neste texto, importa saber que em excesso qualquer emoção pode nos tornar extremamente improdutivos. Até mesmo alegria demais não é bom, poder levar o indivíduo a colocar-se em situações de risco: exagerar no consumo de álcool, praticar sexo inseguro, comprar compulsivamente... Por outro lado, a tristeza também tem seu preço: distúrbios do sono, problemas de peso, fadiga, irritação, apatia, lentidão física e intelectual, entre outras. <br />
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As emoções são muitas, mas não importa qual delas, seja em excesso ou em falta, são sempre improdutivas. São necessárias quando dosadas. O medo e a raiva, por exemplo, estão associados ao instinto de preservação, prepara o organismo para reagir em situações de perigo, para lutar ou fugir. Assim, podemos afirmar que se não tivéssemos aprendido a dosar nossas emoções, simplesmente não teríamos desenvolvido qualquer civilização. Melhor, a afirmação não é bem essa. Com base nos estudos de Nobert Elias, veremos que as emoções não são inatas. Elas se desenvolvem e se modificam em sociedade. De alguma forma, as emoções estão relacionadas a conteúdos morais e por isso, as reações das pessoas são diferentes conforme a cultura da qual participam e o momento histórico que vivenciam. <br />
<table cellpadding="0" cellspacing="0" class="tr-caption-container" style="float: right; margin-left: 1em; text-align: right;"><tbody>
<tr><td style="text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEii_v4ZoEWfrKKqIO75OQXsz1vASKTy-MG06z2YChYr8UJowmTeO7nADkBOiy6eL4fiZsi127sSE9sUmEpCiQ35uGROGiGVRr3av_MzEKz8farCro2locf9SbzdeTt3jfgU6VUZcWUcUSw/s1600/AdaoEvaLucasCranach.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; cssfloat: right; margin-bottom: 1em; margin-left: auto; margin-right: auto;"><img border="0" height="320" px="true" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEii_v4ZoEWfrKKqIO75OQXsz1vASKTy-MG06z2YChYr8UJowmTeO7nADkBOiy6eL4fiZsi127sSE9sUmEpCiQ35uGROGiGVRr3av_MzEKz8farCro2locf9SbzdeTt3jfgU6VUZcWUcUSw/s320/AdaoEvaLucasCranach.jpg" width="217" /></a></td></tr>
<tr><td class="tr-caption" style="text-align: center;">Adão e Eva, Lucas Cranach, 1526</td></tr>
</tbody></table><br />
Comportamentos que na Idade Média passariam por normais, hoje nos causariam repugnância, como: escarrar a mesa, mexer o molho com os dedos, limpar os dentes com a ponta da faca, limpar o nariz com a mão, beber no prato... Elias explica que o indivíduo está imbricado numa teia de relações que o leva a desenvolver um controle cada vez mais preciso sobre sua conduta. O que de início é um controle externo, no processo de socialização torna-se autocontrole automático, inconsciente, quase uma segunda natureza.<br />
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A reação de nojo é conseqüência de um processo de socialização que nos ensinou formas de condutas convencionadas como corretas. Desde a mais tenra idade, a criança aprende a calcular o efeito de suas ações e de outras pessoas e a controlar seus impulsos e ações. As emoções são reflexos ora de prazer, quando a conduta adota é socialmente aceita, ora como sanções, quando é reprovável. As estruturas psíquicas mais arraigadas e profundas provocam reações químicas conforme a leitura que fazemos do ambiente social.<br />
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Com o amor não é diferente. Corresponde a uma reação de prazer quando nos identificamos com o outro, mas um sentimento que também foi dosado e modelado no decurso do processo civilizador. Antes de tornar-se fundamento para o casamento, o amor era um sentimento clandestino, que acontecia entre amantes e em segredo; que desembocava no crime, no suicídio, na tragédia; e que não abria mão do ímpeto da raiva e do ciúme. O amor era uma doença para as famílias cristãs, até mesmo com sintomas descritos em livros médicos, e não recomendado às boas moças. <br />
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Transformamos o elemento de liberdade e transgressão do amor, num sentimento bem comportado, racionalizado e represado nas regras do casamento – que também mudaram. O casamento deixou de ser um simples contrato econômico e passou a incluir, entre os seus fundamentos, o amor e a vida sexual. O casamento perdeu desta forma grande parte das suas qualidades de racionalidade e pragmatismo, mas a sociedade conseguiu delimitar um espaço onde o amor pudesse existir sem colocar constantemente em risco as instituições. Não apenas deram-lhe um lugar, mas também fizeram seus participantes acreditar que o que antes era espontâneo e fugaz, poderia durar o resto da eternidade como parte do elemento divino no homem.Cinara Lobohttp://www.blogger.com/profile/01931446388705783932noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9023293670111324339.post-19358421776263510792010-09-10T21:07:00.001-03:002010-09-10T21:11:23.415-03:00A civilização e a domesticação do amor em Austen e Brontë<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjGkZsD2_DzrZg5VD57xJBqucHvfp61P70woEMc8obaF6xPYNkFIMkdOHc8TNfUbaz5V6wuHFua5D-V85fGSd8S6I_iOQOjb_Xt8kLXTRmCFhxpme5azaMtPGhrv0Fjwejs58YifsLgCww/s1600/Morrodosventosuivantes3.bmp" imageanchor="1" style="clear: right; cssfloat: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="221" ox="true" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjGkZsD2_DzrZg5VD57xJBqucHvfp61P70woEMc8obaF6xPYNkFIMkdOHc8TNfUbaz5V6wuHFua5D-V85fGSd8S6I_iOQOjb_Xt8kLXTRmCFhxpme5azaMtPGhrv0Fjwejs58YifsLgCww/s320/Morrodosventosuivantes3.bmp" width="320" /></a></div><br />
Os personagens de Jane Austen surpreendem pelo tanto que são comedidos em suas emoções, polidos em suas maneiras, assexuados e cercados por constantes obrigações sociais. As menores atitudes - como um olhar, o tom de voz, o enrubescer - estão carregadas de significado e são controladas pelos mais próximos. Seus personagens experimentam um autocontrole tão rigoroso que fiquei em dúvida se poderíamos das descrições de Austen deduzir as regras de conduta que orientaram a sociedade inglesa na passagem do século XVIII ao XIX. Seriam reflexos dos ideais religiosos protestantes ou deveriam ser tratadas como simples abstrações de um ideal conduta desejada pela autora? <br />
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Resolvi ler outra autora do mesmo período e da mesma corrente literária. Parti para Emily Brontë, O Morro dos Ventos Uivantes. E que surpresa ao deparar com personagens e descrições da sociedade completamente avessas aquelas de Jane Austen! Qual a razão? <br />
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Austen fala das relações cotidianas e familiares da nobreza inglesa. Alguns de seus personagens não são nobres, mas é sobre as relações da nobreza com a classe média ascendente, a comunicação entre integrantes dessas duas classes, que a maioria dos conflitos que norteia sua obra se desenrola. Já Emily Brontë volta-se para a sociedade distante dos círculos de convivência com a nobreza, focaliza o modo de vida daqueles que residiam no campo e que pouco contato mantinham com os salões e teatros onde se desenvolviam os hábitos sociais mais sofisticados. Seus personagens vivem isolados nas grandes propriedades rurais e o a maior proximidade que experimentam com o mundo civilizado e citadino é a missa na capela do vilarejo. <br />
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Não participam, como os personagens de Austen, dos bailes, não se obrigam a manter uma rotina de visitas, jantares e outras obrigações sociais. Vivem mais em contato com a natureza e com os animais. É verdade que os personagens de Austen também residem no campo, mas estão continuamente em viagens para Londres – centro da civilização. Em Morro dos Ventos Uivantes, eles nunca saem do campo, não têm amigos ou parentes fora daquele ambiente.<br />
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A distância tão clara entre a vida social e as regras de conduta descritas por Austen e Brontë não resulta apenas de diferenças de estilo entre as autoras ou do objeto de suas descrições. Denuncia a visão de mundo dominante naquele período que apontava para qualidades do comportamento discrepantes entre o campo e a cidade, entre aqueles distantes do mundo civilizado e os outros que o construíam. É conhecido que a nobreza da corte (alta nobreza) mantinha certo desprezo pelo comportamento da nobreza provinciana (Balzac, Nobert Elias). Quanto mais próxima a convivência com o rei e sua corte, maiores eram as exigências sobre os modos de vestir, comer, falar, caminhar... A sofisticação de modos e linguagem conferia status ao indivíduo e facilitava estabelecer amizades, obter novos convites para eventos sociais, manter-se presente no ambiente onde o poder e o prestígio se distribuíam. Por essa razão, podemos dizer que não se trata de construções abstratas das duas autoras, mas reflete a visão que a classe média ascendente e a nobreza tinham das distâncias que separavam esses dois mundos e do que era portar-se de maneira civilizada. <br />
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As diferenças no comportamento dos personagens e da vida social que participam, entre as duas autoras, resultam de cortes distintos sobre a realidade social, no entanto complementares de uma visão de mundo dominante naquele período e que pode ser lida em outros autores.<br />
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Muitas das características do personagem Heathcliff (Morro dos Ventos Uivantes, Emily Brontë, 1847) aproximam-se de Drácula (Drácula, Bram Stocker, 1897). Não são obras próximas, cinqüenta anos as separam. No entanto, não acredito que as semelhanças sejam acasos. Drácula e Heathcliff são acometidos por um amor fulminante e impossível. Perdem a mulher de suas vidas por amor. Não é uma morte natural – claro suicídio no primeiro caso e morte provocada no segundo. A partir deste momento, eles se isolam do mundo, rompem com as regras morais católicas e praticam a maldade e a violência de maneira gratuita. Do amor passam ao ódio, que alimentará a vingança impiedosa que empreendem. Se transformam numa espécie de monstro que vaga no limite entre o mundo real e o sobrenatural. É a paixão desmedida, incontrolada, a incapacidade de Drácula e Heathcliff de dominarem suas emoções, de racionalizarem seus sentimentos, que os levam para o crime e que os aproximam da selvageria e bestialidade. <br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEilRECgBTc04zOMmKh6z8RpFuUxBsOZCS5b_nGRBy0BllThKJ3Hqg0ZX3FkcQe65zoPZCeswTWOPHIXkJ8PWMU6xiGv8G_pGifFvYHqDtK7T-7wU7x45J0TZc75PZroieeyFc1MXkSOG8A/s1600/razaoesensibilidade1.bmp" imageanchor="1" style="clear: left; cssfloat: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="238" ox="true" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEilRECgBTc04zOMmKh6z8RpFuUxBsOZCS5b_nGRBy0BllThKJ3Hqg0ZX3FkcQe65zoPZCeswTWOPHIXkJ8PWMU6xiGv8G_pGifFvYHqDtK7T-7wU7x45J0TZc75PZroieeyFc1MXkSOG8A/s320/razaoesensibilidade1.bmp" width="320" /></a></div><br />
Se fosse possível traçar uma linha imaginária, de um lado estariam a razão e os sentimentos religiosos e do outro, a insensatez e os impulsos demoníacos. Em Brontë e Bram Stocker, o amor é um sentimento que não cabe nas convenções e instituições sociais estabelecidas. De tão desmedido torna suas vítimas insanas e as enclausura numa dimensão não humana, que impossibilita viver em paz. Essa definição diabólica do amor também pode ser lida nos textos médicos e religiosos do período. Para a Igreja, amar alguém mais que a Deus era pecado e impedia o indivíduo de conquistar a vida eterna. A Igreja Católica defendia a renúncia completa ao mundo – nada mais terreno que desejar realizar-se no outro. No protestantismo, não se trata de renunciar ao mundo, mas de viver os ideais cristãos no cotidiano, fazer uso das coisas do mundo para servir e glorificar a Deus. Os prazeres terrenos não podem ser experimentados como fins em si mesmos, devem servir como instrumentos para edificar um mundo ordenado e coerente com a vontade divina (Cf. As fontes do Self, Charles Taylor). Desse modo os sentimentos precisam ser moderados, distanciados, domesticados e capazes de caber nas rotinas da vida familiar. Como as pessoas devem se comportar na visão protestante é exatamente (por coincidência ou não) como são descritos os personagens de Jane Austen. <br />
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Eles não se parecem em nada com Drácula e Heathcliff. São extremamente racionais, educados, contidos e capazes de administrar situações estressantes e conflituosas conduzindo-as para finais felizes. É precisamente pela habilidade que possuem em gerenciar a expressão e a vazão de suas emoções que evitam que as situações que atravessam desemboquem na tragédia, no suicídio, no crime e na infelicidade. <br />
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Agora podemos resumir a visão de mundo desses três autores: Stocker, Austen e Brontë. <br />
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O amor e qualquer outro sentimento incontrolado só são possíveis num mundo que ainda não se civilizou. Persistem em pessoas que vivem isoladas nas propriedades rurais, distantes da sociedade e em contato com a natureza. Essas pessoas são quase selvagens e o sentimento delas também. A paixão desenfreada de Heathcliff por Catherine ou de Drácula por Mina não poderia existir nos salões ingleses com seus passos sincronizados e gestos medidos. A estupidez, a raiva, o ódio, a vingança, a paixão indomável são características do selvagem que ainda habita o homem e a porta de entrada para o demônio.Cinara Lobohttp://www.blogger.com/profile/01931446388705783932noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9023293670111324339.post-81099264715073513162010-07-18T17:42:00.006-03:002010-07-18T18:11:48.773-03:00O prazer sem desculpas<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjqWV853eP8L_Kz7CAQHRbbwauRg3T-axS3Ipmo3Elgsy3DqRwRaTWO3kt1lQ9QNnSKqx7C97bIcBoOk5-7RqbpTsTSEoH69UCJ4ZV_YODT2QyRFDKCXBDj_4mw8ibXw_6UJv2Bb_z2k8k/s1600/fannyDM0910_468x514.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; cssfloat: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" hw="true" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjqWV853eP8L_Kz7CAQHRbbwauRg3T-axS3Ipmo3Elgsy3DqRwRaTWO3kt1lQ9QNnSKqx7C97bIcBoOk5-7RqbpTsTSEoH69UCJ4ZV_YODT2QyRFDKCXBDj_4mw8ibXw_6UJv2Bb_z2k8k/s320/fannyDM0910_468x514.jpg" /></a></div>Não há nada de filosófico em Fanny Hill (de John Cleland, publicado em 1749). Apenas descrições cansativas, repetitivas e cheias de detalhes sobre as aventuras sexuais de sua protagonista. O autor não tem a pretensão a qualquer análise ou crítica a sociedade da época. Não há conflitos psicológicos em seus personagens – não são figuras complexas. Não há sequer uma trama bem construída. É uma sucessão de experiências sexuais com um final feliz e moralmente correto. O que retirar do livro, então? <br />
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Uma clara separação entre sexo e amor. A certeza de que o sexo está relacionado aos artifícios da imaginação, a idade e aos acasos. Também que as circunstâncias podem favorecer uma vida libertina, independente da personalidade e da educação do indivíduo. Por que o livro escandalizou tanto quando foi publicado, sendo sua publicação proibida nos Estados Unidos até 1966? <br />
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Porque fala da sexualidade feminina em si, sem nenhum atenuante. No livro, as mulheres não são vítimas dos jogos de sedução ou de qualquer armadilha. Não é pela força ou por imposição da sociedade que são levadas para cama. Também não são enganadas por fantasias de amor de cavalheiros galantes. O desejo da mulher, neste livro, está dissociado de qualquer norma social ou imposição – ele acontece por homens de classe social mais baixa, por idosos, por sexualmente pervertidos... E não é por caridade ou dinheiro que a jovem Fanny e suas amigas se entregam a orgias com todos esses tipos, mas puramente por prazer.<br />
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Talvez por isso escandalizasse tanto. Por descrever a sexualidade feminina e defender que o sexo não inclui necessariamente o amor. Pode até acontecer, mas será uma feliz coincidência. <br />
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Termino de ler Fanny Hill e parto para "O Sofá" de Crébillon Fils. Também um romance libertino, publicado em 1742.Cinara Lobohttp://www.blogger.com/profile/01931446388705783932noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9023293670111324339.post-78031592418546842842010-06-30T22:26:00.005-03:002010-07-01T15:21:13.631-03:00O amor e o pudor em Stendhal<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjLcrFW0ycwoVUyHmb30sQ00zAzPFWRO2JwmzZcQcN7KShSqd_kMr8m6PjOAzNbTwKwZW4lBZOkzcKU1Udtn3TLBAe3ZWj8jm12F93j1MZQAo7p8HIeSwwnzYnuDVC_sDstDWF9i2XMLj8/s1600/Rouge-et-le-noir-Le-70582-480.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; cssfloat: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" ru="true" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjLcrFW0ycwoVUyHmb30sQ00zAzPFWRO2JwmzZcQcN7KShSqd_kMr8m6PjOAzNbTwKwZW4lBZOkzcKU1Udtn3TLBAe3ZWj8jm12F93j1MZQAo7p8HIeSwwnzYnuDVC_sDstDWF9i2XMLj8/s320/Rouge-et-le-noir-Le-70582-480.jpg" /></a></div><div style="text-align: right;"><br />
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<span style="font-size: x-small;"><strong><em>O amor é o milagre da civilização</em></strong></span></div><div style="text-align: right;"><span style="font-size: x-small;"><strong><em>Stendhal</em></strong></span></div><br />
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Terminei de ler o Vermelho e o Negro e deveria voltar aqui para comentá-lo, conforme prometi. Mas preferi adiar um pouco e fazer uma comparação com outro livro do autor, Do Amor. Nessa obra, Stendhal teoriza o que exemplificará na literatura.<br />
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O amor para Stendhal é um artifício da imaginação, uma construção mental, criação que faz vítima seu próprio autor. Ora ele o chama de loucura, ora diz que é como uma febre que nasce e morre sem a interferência da razão.<br />
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Para Stendhal, o amor não era um sentimento natural e presente em qualquer momento da história da humanidade. Em Do Amor, ele repete que camponeses e selvagens, preocupados com a necessidade imediata da sobrevivência, jamais o experimentaram. Ele era resultado da refinação dos costumes, da delicadeza dos prazeres, das horas de lazer e solidão que a vida na corte propiciava. A distância social e a formalidade a que os nobres estavam sujeitos facilitavam os jogos de conquistas, os flertes e a construção de uma imagem idealizada do ser amado. A partir de pequenos detalhes, o amante projetava qualidades que a pessoa sequer pensou em aparentá-las. A esse processo ele chamou de cristalização – como cristais que depositados sobre as folhas de uma árvore lhe dão outra forma em nada parecida com a original.<br />
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Ele explica que os “jogos de corte” não apenas criavam condições ideais para os arroubos da imaginação, mas que a união ou apenas a proximidade com nobres ensejava oportunidades sociais e políticas raras: “<em>Não havia cortesão que não sonhasse com a fortuna rápida de um Luynes ou de um Lauzun, e mulher amável que não visse em perspectiva o ducado da madame de Polignac</em>” (Do Amor, 2007:21). Assim, a possibilidade de ascensão social ou de subverter as regras sociais, que limitavam o contato entre indivíduos de classes sociais diferentes, funcionava como uma espécie de atrativo ao amor.<br />
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Na visão de Stendhal, o amor é o resultado de uma vida social que favorece a imaginação, mas também da dissimulação e repressão dos sentimentos. Porque o nobre não podia simplesmente expressar seu desejo, ele precisava cumprir todo um ritual de conquista que o tornava vítima de seu próprio jogo. Segundo Stendhal, a vida na corte exigia, principalmente da mulher, que dissimulasse suas emoções. Quanto mais altiva e distante ela fosse, melhor transmitiria a imagem de pudor, elegância e sofisticação. Daí Stendhal dizer que o pudor é a mãe do amor. <br />
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A conduta regrada da dama fixava uma distância do cavalheiro, que o levava a imaginar suas qualidades em lugar de experimentá-las. O amor era assim a sublimação do desejo? Não afirmaria isso, mas sim que o amor era o resultado da sublimação das emoções, de qualquer emoção um pouco mais exaltada e desmedida: alegria, tristeza, ansiedade... <br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgvOn7wuouylWS4u462FInWJC_2epSpuJWprKWLGjyz9lQcMSFg__uTZ8QPXKlgAkhili2pypYD2UKypmw8N4A7M2wlJpcsIFR_zRCOzGtXIplJddSC8ywA04x3WIYvDQi3HBbUArYuuhM/s1600/le+rouge+et+le+noir+img328.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; cssfloat: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" ru="true" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgvOn7wuouylWS4u462FInWJC_2epSpuJWprKWLGjyz9lQcMSFg__uTZ8QPXKlgAkhili2pypYD2UKypmw8N4A7M2wlJpcsIFR_zRCOzGtXIplJddSC8ywA04x3WIYvDQi3HBbUArYuuhM/s320/le+rouge+et+le+noir+img328.jpg" /></a></div><br />
“O Vermelho e o Negro” é uma exemplificação de toda a teoria de Stendhal. Julien Sorel e Mathilde nunca estão certos do que sentem um pelo outro. Ora estão possuídos por um sentimento maior que a razão e contra o qual não podem impor qualquer resistência, ora simplesmente esqueceram o que sentiam há uma hora. O menor detalhe destrói a imagem do ser amado, assim como o menor detalhe é suficiente para construir uma imagem super estimada do amado:<br />
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<em>“Mais do que levado pelo amor, ele mesmo excitava sua imaginação. Era depois de perder-se em devaneios sobre a elegância do porte da srta. De La Mole, sobre o gosto excelente de seus trajes, sobre a alvura de sua mão, sobre a beleza de seu braço, sobre a <strong>disinvoltura</strong> de todos os seus movimentos, que ele se sentia apaixonado. Então, para completar o encanto, via nela uma Catarina de Médici. Nada era profundo demais ou perverso demais para o caráter que ele lhe atribuía”</em> (O Vermelho e o Negro, 2003:347).<br />
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“<em>Suas palavras tão francas, mas tão estúpidas, vieram mudar tudo num átimo: Mathilde, segura de seu amor, desprezou-o completamente”</em> (ibidem:380).<br />
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A conquista do amante se faz não com claras declarações do que se sente, mas com dissimulações. Em seus ensinamentos, o príncipe Korasoff diz a Julien que para conquistar a orgulhosa Mathilde precisava aparentar o contrário do que se esperava dele.<br />
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Meu interesse na obra de Stendhal não é tanto pelo seu conceito de amor, mas sim em recolher as pistas que deixou sobre o processo pelo qual se deu a “repressão” dos sentimentos na corte francesa do início do século XIX. Me interessa, sobretudo, a descrição que faz da associação entre a dissimulação de qualquer emoção e o status de classe social. A dama da corte não poderia simplesmente declarar seu sentimento, precisava aparentar certo orgulho, desprezo e distância social. A sofisticação e a distinção associavam-se ao pudor. Também os jogos de sedução faziam parte de um script, eram brincadeiras que divertiam e faziam gastar o tempo da nobreza ociosa e cuja riqueza levava a um sentimento de tédio e fastio. <br />
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O que não é possível compreender, considerando apenas a obra de Stendhal, é o percurso completo pelo qual o processo civilizador transformou o ideal do amor, que já foi completamente subversivo, num sentimento regrado e produtivo. Apesar do amor em Stendhal ser um artifício da imaginação, ainda assim é possível identificar elementos de rebeldia no imaginário que o cerca. O que encanta Mathilde em Julien Sorel é a possibilidade de contravenção social, de desafiar as regras sociais ao unir-se a um homem de classe social inferior. Por outro lado, o que despreza é a mesmice de um casamento arranjado segundo interesses puramente econômicos e de status. Se voltarmos a um momento anterior a obra de Stendhal, o amor é um sentimento ainda mais excluído dos espaços instituídos. Tomemos o exemplo de Tristão e Isolda. Ela era uma rainha, que abandona seu título para viver ao lado de um rude cavaleiro e na completa miséria. <br />
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Hoje, o amor é um sentimento cujo ápice de sua realização se faz na união estável com filhos e férias anuais. A concretização deste sentimento é o casamento e a família. É preciso entender qual foi o caminho pelo qual domesticamos nossas emoções para que coubessem nos limites estreitos da vida doméstica. Minha hipótese é que precisamos acrescentar às descrições de Stendhal as contribuições da Igreja Católica e do Protestantismo. Assunto para o qual pretendo retornar no próximo <em>post.</em>Cinara Lobohttp://www.blogger.com/profile/01931446388705783932noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-9023293670111324339.post-40216196676793376302010-06-11T22:06:00.003-03:002010-07-01T07:44:12.727-03:00Onde estará o amor no século XXI?....<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhPZePxTlH33xGqLdvGVy8x62KMHeGWPoJkQxdZcCtO7ykBZRN16-nQqIS8jhvOorXz4URAMwxstZwV7Jpv_PQt_1IzdalHB-ZoTQhZf21JxX4U8dW4_qxmcxPOKBv19UvEhQ4PP1Vbex4/s1600/28552_134071166608823_100000178206965_361845_5528817_n.jpg" imageanchor="1" style="cssfloat: right; margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="300" qu="true" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhPZePxTlH33xGqLdvGVy8x62KMHeGWPoJkQxdZcCtO7ykBZRN16-nQqIS8jhvOorXz4URAMwxstZwV7Jpv_PQt_1IzdalHB-ZoTQhZf21JxX4U8dW4_qxmcxPOKBv19UvEhQ4PP1Vbex4/s400/28552_134071166608823_100000178206965_361845_5528817_n.jpg" width="400" /></a></div>Um amigo postou esta foto no Facebook e resolvi trazer para cá. Fiquei pensando, por que se tornou cada vez mais difícil encontrar namorados aos beijos? Onde eles se esconderam? Ou foram simplesmente embora? Há tantos corações desenhados em camisetas, bonés e agendas à venda nos shoppings, mas menos beijos nas filas do cinema. O cinema era a desculpa para o beijo. Não é mais necessária a desculpa, então por que o beijo? Foram se embora os amantes, esvaziaram as filas dos cinemas, e os gramados das praças também estão desertos. Onde estará o amor no século XXI? <br />
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Estou lendo O Vermelho e o Negro de Stendhal. Logo, comentarei aqui. Posso adiantar que nesta obra observamos algumas evidências sobre como era interpretado o amor no início do século XIX. Antes de tudo, ele é um jogo social, por isso a menor atitude pode provocá-lo ou ofuscá-lo. É preciso certa habilidade para controlar palavras e expressões, saber interpretar a troca de olhares e os mais pequenos gestos. É uma linguagem sofisticada pouco acessível a um camponês sem instrução. Também amar é atravessar a fronteira do pecado e entregar-se aos arroubos de uma doença obsessiva. O amor situa-se entre a insensatez e o crime, por isso não há um espaço instituído para ele na sociedade do início do século XIX.Cinara Lobohttp://www.blogger.com/profile/01931446388705783932noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-9023293670111324339.post-66006778919330092462010-05-23T09:24:00.003-03:002010-07-01T07:42:34.228-03:00Do amor clandestino ao amor civilizado<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjdCz3sZq2Tc-OiN3l7QA511iKujO4Kep3wWK7D5MCw8PDO5TpLEt1EyY_iVNzjkb56GjxLJcBXQ7OUnNdLPuR_wTY4nmxGAzWW15Fsl28axwAY5WsFKtjZ02i5N-JnqMk_dcm9PBAEOTE/s1600/divulgacao_cientifica_freud.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; cssfloat: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" gu="true" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjdCz3sZq2Tc-OiN3l7QA511iKujO4Kep3wWK7D5MCw8PDO5TpLEt1EyY_iVNzjkb56GjxLJcBXQ7OUnNdLPuR_wTY4nmxGAzWW15Fsl28axwAY5WsFKtjZ02i5N-JnqMk_dcm9PBAEOTE/s320/divulgacao_cientifica_freud.jpg" /></a></div><br />
“<em>Quando uma relação de amor se encontra no seu apogeu, não há margem para qualquer interesse no mundo circundante; o par de amantes é suficiente em si e para si mesmo, não necessita sequer do filho que têm em comum para fazê-los felizes</em>”, sentencia Freud em O Mal- Estar na Civilização. Para ele, nenhuma civilização é possível sem um mínimo de repressão dos instintos sexuais primários, mas nessa obra Freud acrescenta mais um problema a ser investigado. Não é apenas a busca ilimitada pelo prazer que é impossível na cultura civilizada, também a satisfação de Eros, a plena identidade entre os indivíduos. Levado ao seu extremo, a união dos amantes não contribui para a reprodução da sociedade, pois o casal não tem necessidade sequer do filho para completá-lo. Assim, a cultura leva inevitavelmente à repressão sexual, mas também dos laços emocionais extremos. O indivíduo se disciplina não apenas em seus impulsos sexuais, mas o desejo para amar, odiar, alegrar-se ou entristecer-se. <br />
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Freud não fundamentou empiricamente suas afirmações e categorias de análise: ego, id e superego. Podemos dizer, sem sermos injustos, que foi Nobert Elias, em O Processo Civilizador, que construiu uma fundamentação histórica para essas categorias, demonstrando de que forma a sociedade caminhou para maior controle do indivíduo sobre suas pulsões, instintos e sentimentos. No entanto, as descrições históricas de Nobert Elias concentraram-se principalmente sobre como o indivíduo moderno civilizado modificou seus hábitos alimentares e fisiológicos, refreou a expressão de suas vontades primárias, adquiriu um controle automático sobre sua conduta. Os dados empíricos que ele levanta se limitam a descrever mudanças nas normas de condutas sociais. Sua narrativa não aprofunda como o mesmo processo disciplinar aconteceu em relação aos sentimentos.<br />
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjrrgYCxEqHwrrRMVvY_-WMvASC6DShMJcXGLjzbvub2bHygKgtTLWgdCLcU1qVAz_hAFE25AlFfmZDXfXB3v2IL8OJ_9oWnNmxBaK5rjPhyphenhyphenc8qnzhBGBoT_ziYI3VhraDc3mD3rudzUwk/s1600/elias.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; cssfloat: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" gu="true" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjrrgYCxEqHwrrRMVvY_-WMvASC6DShMJcXGLjzbvub2bHygKgtTLWgdCLcU1qVAz_hAFE25AlFfmZDXfXB3v2IL8OJ_9oWnNmxBaK5rjPhyphenhyphenc8qnzhBGBoT_ziYI3VhraDc3mD3rudzUwk/s320/elias.jpg" /></a></div><br />
Nobert Elias diz que o amor é uma sublimação de instintos primários, que passa a existir no momento em que as vontades sexuais em relação ao outro não podem ser imediatamente satisfeitas. Na Idade Média, os cavaleiros tinham menor controle sobre suas paixões e podiam expressar abertamente seus impulsos violentos e sentimentos de alegria e dor. A interdependência na sociedade da corte européia levou o indivíduo a maior vigilância sobre sua conduta. O campo de batalha foi transportado para dentro do indivíduo:<br />
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<em>“Parte das tensões e paixões que antes eram liberadas diretamente na luta de um homem com outro terá agora que ser elaborada no interior do ser humano. As limitações mais pacíficas a ele impostas por suas relações com outros homens espelham-se dentro dele; um padrão individualizado de hábitos semi-automáticos se estabeleceu e consolidou nele, um “superego” específico que se esforça por controlar ou suprimir-lhe as emoções de conformidade com a estrutura social</em>” (Nobert Elias, O Processo Civilizador, vl 2, pag. 203).<br />
<br />
Embora enunciado por Nobert Elias, o processo de repressão dos sentimentos, de autocontrole automático sobre as paixões não está historicamente descrito. É preciso narrar o processo pelo qual o amor deixa de ser clandestino e torna-se um sentimento bem comportado no seio da família nuclear burguesa. <br />
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Nos primeiros anos do cristianismo, o sentimento entre homem e mulher não era abençoado pela Igreja e até mesmo o casamento era considerado uma forma de adultério. Não constituía um caminho para a vida cristã e, por essa razão, não era um sacramento. O cristão a ser agraciado com a salvação era aquele capaz de renunciar completamente ao mundo. Como a castidade era uma qualidade de alguns poucos eleitos, a Igreja não exercia controle rigoroso sobre o comportamento de seus fiéis e sacerdotes. O celibato figurava como ideal somente para aqueles que se entregassem completamente a vida cristã e que fossem abençoados por Deus. Sozinho, por seus próprios meios, o homem não conseguia renunciar aos prazeres do mundo: <br />
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“<em>Quem deseja ser casto, deve recorrer ao Senhor e instar-lhe fervorosamente em oração, para que se digne de conceder-lhe esta mercê; porque se ele liberalmente lha não der, de nada lhe servirão todos os arbítrios para a conseguir</em> (A mocidade enganada, desenganada: (...), Manoel Conciencia, Officina Augustiniana, Lisboa, 1730).<br />
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A partir de Gregório VII, a Igreja passa a defender o celibato para os sacerdotes e o casamento como uma concessão para o homem comum. Todos devem buscar uma vida casta e moderada. O casamento torna-se o espaço onde a relação sexual pode se realizar desde que observada uma série de prescrições: não ser parente até o quarto grau, respeitar os dias santos... A partir do momento em que o casamento se torna um sacramento, ele se legitima por outras razões que não apenas aquelas de interesse econômico: precisa contar com o consentimento mútuo, ter por fim a criação e educação dos filhos e estar baseado no sentimento de solidariedade e ajuda mútua. São conteúdos que dão ao casamento uma santificação, que até então não possuía. No entanto, não é o amor o sentimento básico do casamento no final da Idade Média, mas sim o sentimento de caridade. Esse é o início de um processo para tornar um sentimento que tinha sido sempre clandestino, conforme descrevi em outros <em>posts</em>, para ser o que legitimará a união do casal. <br />
<br />
No entanto, a extensão do celibato para todos os membros da Igreja e do casamento como um celibato de menor grau a todos os laicos é lento e sofre fortes críticas e protestos mesmo dentro dos quadros da Igreja. A sociedade da corte ainda é muito libertina e os nobres colocarão forte resistência a regulação da Igreja Católica sobre o casamento, principalmente, porque interferia nos seus interesses de transmissão de herança. <br />
<br />
Maior controle sobre as pulsões sexuais e o casamento como devendo ser acompanhado de um sentimento e não apenas de cálculos utilitários é resultado de uma cultura protestante burguesa que irá ascender na Europa e que busca se distanciar dos nobres em seu estilo de vida. Também decorre de maior liberdade que o indivíduo moderno adquire para a construção de sua identidade. O sentimento de amor está relacionado ao processo de individuação, pois significa o aproximar-se do outro por afinidades (valores, condutas, padrões estéticos e ideais) e não em resposta aos interesses familiares. <br />
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É essa narrativa histórica, descrita aqui de forma muito fragmentada e resumida, que é preciso ser feita dando conta do processo pelo qual a formação da sociedade moderna também foi acompanhada pela repressão dos sentimentos e da sua condução para a forma bem comportada do casamento.Cinara Lobohttp://www.blogger.com/profile/01931446388705783932noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-9023293670111324339.post-59200501706200915972010-04-09T16:00:00.001-03:002010-04-09T22:58:33.081-03:00O romance de Tristão e Isolda<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhaxwiqaUZZCR8a9pLTC9QTlFcvy5nZ0xGeFCb-i2pkFSn_W6XC_tpJCLwErJFXBexuA1MnAFAXRmHmWAorjbmRtOaTC1JzeeWQXEDll6dRClbCz71dCU5vUX6D-2lbP2iVf14gftg0Dww/s1600/trista1.gif" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhaxwiqaUZZCR8a9pLTC9QTlFcvy5nZ0xGeFCb-i2pkFSn_W6XC_tpJCLwErJFXBexuA1MnAFAXRmHmWAorjbmRtOaTC1JzeeWQXEDll6dRClbCz71dCU5vUX6D-2lbP2iVf14gftg0Dww/s320/trista1.gif" wt="true" /></a></div><br />
Apesar de trair seu pai adotivo e assassinar quem denunciou seu amor por Isolda, Tristão não vive nenhum drama psicológico por isso. O casal sofre por não encontrar condições ideais para vivenciar seu sentimento, mas não possui nenhum pesar em arquitetar mil artimanhas para enganar o pobre rei Marc. A lenda de Tristão e Isolda data do século XII e nela podemos encontrar evidências do que falamos em outros posts sobre a problematização do amor. <br />
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A culpa do casal é perdoada porque foi vítima de uma bebida mágica. A mãe de Isolda quis ajudar a filha a se apaixonar por seu futuro marido. Preparou uma porção e confiou a criada que fizesse os noivos tomarem antes da noite nupcial. “Os que a beberem juntos amar-se-ão com todos os seus sentidos e com todo o seu pensamento, para sempre, na vida e na morte”, explicou a mãe de Isolda. Por acaso, Isolda bebe a porção junto com Tristão e não com o rei Merc. <br />
<br />
A bebida mágica tem muita semelhança com a figura do Cupido, nos dois casos o amor é uma fatalidade que não deixa nenhuma margem de escolha aos amantes. Não é um sentimento humano, mas uma capricho da vontade divina. Porque os amantes não têm escolha, não possuem culpa sobre o que fazem para ficar juntos. É como se estivessem possuídos por uma idéia obsessiva, por uma doença que os impede de pensar melhor e pesar suas atitudes. Por essa razão, Tristão repete, em defesa de sua inocência, que nunca havia amado a rainha com “amor culpável”. No seu entendimento e de quem descreve a lenda, ele é completamente inocente.<br />
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Tristão e Isolda são vítimas de um sentimento que os domina e que os expõe a viver uma situação para sempre inviável e por essa razão, infeliz e angustiante. A criada de Isolda lê para o casal a sentença a que estariam sujeitos para o resto da vida: “... o caminho é sem retorno, a força do amor já vos impele, e nunca mais tereis alegria sem dor”. A lenda repete o que pode ser lido textualmente em outros textos do período – como em “Tratado do amor cortês” de André Capelão -, que o amor está restrito a uma posição marginal na sociedade. Não pode existir no casamento, tampouco ser exibido nos círculos sociais. Ele existe a noite, entre amantes, sabido apenas por seus confidentes. <br />
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<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgGnhUnsTn_F2KLGlf2Qc92EmGjsIRWuwfKWF5vz_rSTj1sgTXg-oVVW9rdQhc8UeMNhQxNMIAU0bMP5JyBZZon9W6KSfKlVtRonzUnP0L9X7F8yyH6QoSqRxRkUoOvPT_zKKdysq_FuTc/s1600/tristao2.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgGnhUnsTn_F2KLGlf2Qc92EmGjsIRWuwfKWF5vz_rSTj1sgTXg-oVVW9rdQhc8UeMNhQxNMIAU0bMP5JyBZZon9W6KSfKlVtRonzUnP0L9X7F8yyH6QoSqRxRkUoOvPT_zKKdysq_FuTc/s320/tristao2.jpg" wt="true" /></a></div><br />
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O único momento em que Tristão e Isolda ficam juntos, é quando fogem e se escondem na floresta que circunda o palácio. No entanto, amargam uma vida miserável. Vivem da caça, emagrecem, vestem roupas rasgadas, dormem ao relento. Embora estejam juntos não conseguem experimentar felicidade em sua união. Como sentenciou a criada de Isolda: “Bebeste o amor e a morte”. <br />
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Tristão e Isolda são vítimas do capricho divino, das restrições da sociedade, de um sentimento que é quase uma doença. Cometem, em defesa do que sentem, inúmeras infrações, no entanto, permanecem inocentes, pois foram escolhidos pela vontade superior a experimentar para o resto da vida e talvez da morte- pois são enterrados juntos –, um amor que os escraviza. Apesar de seus crimes não são culpados. A própria sociedade sai em defesa deles quando são sentenciados pelo rei Merc a serem queimados vivos. <br />
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Porque não há culpa digo que não há problematização do amor. Questionará o leitor: "Não é suficiente tudo que o casal passou? Não são problemas?" Sim, experimentam vários problemas, mas não existe a culpa. Eles não reprimem o que sentem, não são recriminados pela sociedade, não são condenados pela religião, não lutam para que o sentimento exista na vida doméstica, nos canais formais. O amor está fora da sociedade e por conseqüência seu amantes não sofrem o peso da sociedade. O amor nesta lenda é pagão, é desleal, é traidor, não tem limites. <br />
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Nossa sociedade moderna reinventou o amor bem comportado com “sabor de fruta mordida”. Mas de vez em quando o amor de Tristão e Isolda reaparece com toda a sua violência nas páginas policiais da grande Imprensa.Cinara Lobohttp://www.blogger.com/profile/01931446388705783932noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-9023293670111324339.post-7201466216750548902010-03-12T21:48:00.001-03:002010-03-12T21:48:16.167-03:00O que está proibido é o desejo sexual<div xmlns='http://www.w3.org/1999/xhtml'><p><object height='350' width='425'><param value='http://youtube.com/v/hG0Drkb4L38' name='movie'/><embed height='350' width='425' type='application/x-shockwave-flash' src='http://youtube.com/v/hG0Drkb4L38'/></object></p><p>É uma evidência do narcisismo assexualizado da sociedade brasileira contemporânea a censura ao comercial da Devassa. Tomei conhecimento do caso pelo blog do publicitário Lenadro Wirz (mardecoisa.blogspot.com) e resolvi comentá-lo aqui, onde o espaço é maior. A pergunta imediata que ocorre é por que? Por que censurar um comercial que é semelhante a cem mil outros comerciais de cerveja? Mulher bonita e quase pelada, cerveja gelada, um bando de homem embasbacado, qual a novidade? Por que o comercial da Devassa é mais ofensivo a imagem da mulher e estimula, mais que os outros, o consumo excessivo de álcool? Implicância pura e simples do Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária? <br /><br />Creio que não. Há um elemento nesse comercial que o faz diferente dos outros: fala de uma mulher que é sensual, que estimula a imaginação e seduz aqueles que a observam. Transeuntes, vizinhos e até mesmo duas mulheres param para olhá-la. Ela se sabe observada pelo fotógrafo do prédio em frente e insinua-se esfregando-se no vidro, enquanto a lata gelada escorrega pelo seu corpo. Na fotografia que interrompe o filme, há desejo em seu olhar. Paris Hilton, atriz que interpretada a personagem, está até mais vestida que outras loiras de comerciais de cerveja. Acontece que nos outros comerciais, as loiras são apenas bonitas, nuas e inatingíveis. A cerveja só uma bebida. <br /><br />Corpos dourados não transmitem, necessariamente, apelo sexual. Na televisão brasileira, não há nada mais comum e explorado que a nudez em todas as cores. Diria mesmo que ela já não provoca nenhum impacto. O que causou a reação dos censores foi o apelo sexual do comercial. Isso é uma evidência de que, embora jornais, revistas e televisão divulguem diariamente imagens de corpos perfeitos, não é a sexualidade o que desejam despertar. Trata-se apenas de um padrão de beleza aceito e explorado como produto. Quem persegue esse padrão também não visa atrair alguém, não é o desejo o que está em jogo, mas uma pura e inocente exibição narcísica. Do contrário, os outros comerciais, desde o banho das atrizes globais no comercial do Lux de Luxo até personagens de grifes infantis deveriam ser censurados. O que causou estranhamento no comercial da Devassa não foi a loira bonita e quase nua, foi a sua sensualidade. O que está proibido é o desejo sexual. <br /><br />Agora imagine, caro leitor, quantos potes e potes de cremes dermatológicos são produzidos, quanto de fortuna não fazem as incontáveis clínicas de cirurgia plástica, sem contar o que se produz de roupas coladas a micro biquínis, tudo isso apenas para satisfazer nosso narcisismo e o jogos narcisistas em que nos envolvemos diariamente. Como diria Foucault, “o poder no Ocidente é o que mais se mostra, portanto o que melhor se esconde” (Microfísica do Poder, 2003:237). Parece que tudo esbanja sexualidade, desejo, juventude e prazer; mas estamos apenas consumindo esses valores. Podemos não ir além da aparência. Não faremos mais sexo, ou experimentaremos paixões, ou nos encontraremos com nossos impulsos e vontades. Podemos ficar satisfeitos com os potes de creme e parar por aí. <br /><br />É isso que a indústria de estética deseja? Não creio. Concordo com Foucault quando diz que o poder não é um ator unificado com uma ação orientada para perpetuar-se. O poder está assentado em micropráticas cotidianas que têm como efeito tornar o corpo mais dócil. Todavia, o poder não é hegemônico, está sujeito a constante microcontestações e pode ser subvertido a qualquer momento. </p></div>Cinara Lobohttp://www.blogger.com/profile/01931446388705783932noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-9023293670111324339.post-50016770568182088142010-03-10T13:41:00.000-03:002010-03-10T13:41:39.163-03:00O narcisismo contemporâneo e a sexualidade<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEixTJFRjVSdEN19IOIX-u48IpuDEiSGVvBTzB3JJb7zL_lAUDJ_DN_GgIXjtng-27zA-yBp1MiqqzF3Aga_RPdMKZVJ0m2FwAO4uhhXQ6d3X3PLZrsWWYFN-uSdVlNVeYWAxwedIBMlH-w/s1600-h/garota_de_ipanema.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEixTJFRjVSdEN19IOIX-u48IpuDEiSGVvBTzB3JJb7zL_lAUDJ_DN_GgIXjtng-27zA-yBp1MiqqzF3Aga_RPdMKZVJ0m2FwAO4uhhXQ6d3X3PLZrsWWYFN-uSdVlNVeYWAxwedIBMlH-w/s320/garota_de_ipanema.jpg" vt="true" /></a></div><br />
Não há amor sem individualidade. A afirmação parece óbvia e pressupõe o absurdo que alguém possa existir sem ser uma individualidade. Não é óbvia nem absurda. Somente para as sociedades ocidentais contemporâneas parece evidente que a toda pessoa corresponda uma individualidade. A Idade Média, por exemplo, é uma época em que os espaços para a construção da individualidade são restritos. A identidade do indivíduo é a família a que pertence, qualquer perda de prestígio e de poder que a família sofra, o afeta diretamente, não apenas em suas relações econômicas, mas também pessoais. <br />
<br />
Quando ele pergunta quem sou eu, olha sobretudo para o passado de sua família, seu prestígio, suas propriedades e seus valores. O indivíduo está preso numa rede de relações que fixa seu futuro, sua profissão e com quem deve casar-se. O que o une o casal são deveres familiares e não afinidades ou afetividades. “Um casamento vantajoso eleva a posição do marido e a dos membros de sua linhagem: conserva-se preciosamente seu traço nas genealogias ‘casa’” (Dominique Barthélemy, A vida privada nas casas aristocráticas da França feudal, 2009:129). O amor, na Idade Média, só é possível fora do casamento, como um sentimento pagão e marginal. O amor cortês dos trovadores não existe no matrimônio, desenvolve-se nas relações extraconjugais. É vivido principalmente pelos jovens cavaleiros excluídos do direito de contrair casamento - direito restrito ao primogênito. Sendo assim, o amor é uma contravenção, uma insubordinação contra as regras familiares e religiosas e, portanto, um exercício de individualidade. <br />
<br />
A comparação com a sociedade medieval é interessante, pois ela é o oposto do mundo que experimentamos. Se a Idade Média é um período em que o indivíduo tem pouca liberdade para fazer suas escolhas e vivenciar experiências fora das regras familiares e religiosas, no mundo atual há uma exacerbação da individualidade para o extremo do narcisismo. Não que o indivíduo contemporâneo tenha sido esvaziado de suas raízes culturais, mas os parâmetros de sua identidade são cada vez mais estéticos e de consumo. Não sei exatamente quais são as consequências sobre as relações amorosas, mas acredito que há um abandono da sexualidade, uma impaciência com o jogo amoroso em favor de outras realizações que traduzam status e poder. <br />
<br />
Encontrei evidência empírica disso. Não é bem uma evidência, mas um indício. Na pesquisa que Datafolha realizou, 10% dos casados disseram que não fazem sexo. Desses, 25% têm entre 25 a 45 anos, ou seja, estão numa idade que seria de plena atividade sexual. Interpretando o caso, a terapeuta Tai Carvalho disse: “Fico perplexa com a quantidade de casais que trocam o sexo pela relação com o consumo, o trabalho, a boa forma, as conquistas materiais. Estão atrás de viagens, da reforma da casa, da escola para os filhos. Esse é o erotismo deles” (Folha de S. Paulo, 21.02.2010). Acho 25% de 10% um universo muito pequeno para qualquer afirmação, mas nos incita a pensar se há ou não uma migração do desejo sexual para outras realizações, se não seria reflexo de um extremo narcisismo.<br />
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O jornalista comenta que num País sensual, o jovem abriu mão da sexualidade. A aparência de corpos dourados comunicam sensualidade, mas também podem ser sinônimos de narcisismo, que é justamente o oposto de sexualidade. Observo que ocorre um crescimento das academias, das clínicas de dermatologia, das cirurgias estéticas, dos cremes rejuvenescedores e mesmo de objetos de consumo que traduzem jovialidade. Queremos fazer mais sexo em função disso? Creio que não. Estamos apenas preocupados com o que vamos encontrar no espelho e o sentido do que vamos transmitir nos grupos que participamos. A velhice não é um atributo desejado e valorizado em nossa sociedade. Tem um peso não apenas nas relações individuais, mas mesmo nas profissionais. Ser jovem e bonito é também ser bem sucedido. Associação absurda, mas muito natural nos dias de hoje. <br />
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Volto a falar sobre individualidade e amor num próximo post.Cinara Lobohttp://www.blogger.com/profile/01931446388705783932noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-9023293670111324339.post-74931944516385908222010-03-04T11:15:00.003-03:002010-03-05T11:09:08.226-03:00O suicida e o homicida<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhBiwEDxupx8n5gyMBjuD0UMHgMZe8FcA3MARjVdrJKRxfT0fuH0k7Wz5g6zC-aNHEpf5gMTHJqmRyuYmkJ5gUGQzYxpqPeLtgYQS5ViQb5wqPj7cs5UQaae_Z4ioLO4VUBxk0gpemH_s0/s1600-h/nelsonrodrigues.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" kt="true" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhBiwEDxupx8n5gyMBjuD0UMHgMZe8FcA3MARjVdrJKRxfT0fuH0k7Wz5g6zC-aNHEpf5gMTHJqmRyuYmkJ5gUGQzYxpqPeLtgYQS5ViQb5wqPj7cs5UQaae_Z4ioLO4VUBxk0gpemH_s0/s320/nelsonrodrigues.jpg" /></a></div><br />
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Nelson Rodrigues afirmava que havia apenas dois tipos de pessoas: o homicida e o suicida. Disse só isso, não teorizou sobre o assunto, mas como sempre fazia repetiu mil vezes a mesma afirmação. Tinha certeza do que dizia. <br />
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Fiquei grilada: exagera. Deve haver gradações entre esses extremos. Mas se há apenas dois tipos, quem é o homicida e quem é o suicida? <br />
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O suicida não tem medo e o homicida só mata por medo. Ele não é o assassino, uma aberração desse tipo, mas possui ainda o medo do animal que investe com uma gana feroz sobre a presa como se a odiasse. Por medo ataca antes de ser atacado. Observo isso no cachorro, é capaz de matar alguém que sequer vê. Simples medo.<br />
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O homicida gosta de viver e gostaria que sua vida fosse longa, previsível e presumível. É um tipo que quer segurança, família, emprego estável, salário no final do mês. É o bancário, funcionário público, contador, administrador, burocrata. Já o suicida é o contrário. Para ele a vida só tem sentido se for vivida em seus extremos: amor com paixão e sexo, esportes radicais, trabalho criativo, longas viagens sem destino... Não tem paciência para fazer sempre o mesmo trabalho, beijar a mesma mulher e ter horários. É o amante não o marido. É o argonauta. Para ele, “navegar é preciso, viver não é preciso”. <br />
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Dirá o leitor que estou atraída pelo segundo tipo de ser humano. Engana-se. Penso mesmo que nesses personagens, inventados por Nelson Rodrigues, há o melhor do ser humano. Como se fossem dois instintos básicos que ainda permanecem apesar de todo o processo civilizador. <br />
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A virtude do suicida é o risco e não existe vida sem um mínimo de risco. Podemos minimiza-lo, mas jamais eliminá-lo. No homicida, a coragem e a persistência. Como é possível construir uma casa, uma empresa, uma sociedade sem coragem e persistência? Desse lado estão todas as pessoas que se dedicam, apesar de todas as diversidades, a recomeçar todos os dias e são elas que vão aos poucos deixando realizações. Para elas, o ideal que atrai é o da igualdade. Do outro lado, os apaixonados e conquistadores. São eles que vão para o espaço, que atravessam oceanos, que estão na linha de frente de qualquer exército. São os desbravadores, os sertanejos que abrem a mata fechada para fazer passar o trem e a estrada. Seu ideal é a liberdade. <br />
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Penso que Nelson Rodrigues concordaria comigo. Não tinha preferência por nenhum dos personagens. Era seu interesse as duas modalidades de tragédias: o que mata por amor e o que é capaz de morrer por amor.Cinara Lobohttp://www.blogger.com/profile/01931446388705783932noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-9023293670111324339.post-49457404552457218372010-02-28T19:19:00.002-03:002010-03-02T00:18:39.409-03:00A estranha associação entre felicidade e realização<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgefqg2Worwy4W7kULumSfTugEnVfZODOV_cnfXITpvPXGRTIxyNbeHGrAfxQDAMUhEaQuETgdyexct551nLKvfiPn-2K3e2oULWqKYfKTcXaZvx96KI7cP5iqKdVxMxnjLfXtvK9tF7LA/s1600-h/LuxLuxo.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" kt="true" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgefqg2Worwy4W7kULumSfTugEnVfZODOV_cnfXITpvPXGRTIxyNbeHGrAfxQDAMUhEaQuETgdyexct551nLKvfiPn-2K3e2oULWqKYfKTcXaZvx96KI7cP5iqKdVxMxnjLfXtvK9tF7LA/s320/LuxLuxo.jpg" /></a></div>Me surpreendo com a estranha e constante associação entre felicidade e realização na sociedade atual. O problema não é que tendo prosperado nos negócios e na profissão, naturalmente, o indivíduo se sinta feliz. Mas sim, que haja uma necessidade de evidenciar a felicidade independente das adversidades que a vida possa trazer. Veja a revista Caras. Passo as páginas e fico surpresa de não ter uma única foto onde a pessoa pelo menos não esteja forçosamente sorrindo. Um único rosto sem sorriso, não tem. Até falando da morte, os ricos e famosos sorriem. <br />
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Na minha juventude, ser feliz era como ser cínico. Vivíamos uma crise existencial constante sobre o sentido da vida e a pobreza da política nacional. Como era possível ser feliz, enquanto a maior parte da população brasileira passava fome e vivia na miséria? Como era possível contentar-se com uma casa e um carro, enquanto o país vivia uma ditadura civil que limitava as liberdades individuais? Era evidente a impossibilidade de ser feliz sem liberdade. Só a pequena burguesia se bastava com o crescimento econômico. Os intelectuais e a esquerda brasileira tinham orgulho da tristeza ou no mínimo da depressão ébria. Além do pensamento marxista que ainda inspirava a juventude brasileira nos anos 80, havia o existencialismo de Sartre: o homem está condenado à liberdade e por essa razão, há uma dúvida existencial da qual não pode fugir. Em suas menores escolhas, ele participa da definição do que é ser humano e é necessariamente infeliz por ter que escolher sem parâmetros. <br />
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Para mim, havia um exagero grotesco naquela proposital infelicidade, porque mesmo aqueles que não amargavam nenhuma dor pelas razões antes citadas, eram infelizes na aparência. Ser infeliz tinha um ar de intelectualidade e inteligência. Hoje invertemos os pólos. <br />
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Ser feliz é sinônimo de realização e infeliz de incompetência. <br />
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Feliz é aquele que conquistou tudo que a vida moderna contemporânea oferece como oportunidade: emprego estável, carreira brilhante, carro do ano, apartamento de cobertura, grifes famosas, viagens internacionais... E o infeliz é aquele que não teve nada disso. Duas questões são injustas nessa narrativa: a eliminação do acaso e dos condicionantes sociais, e a falsa idéia que o possuir é suficiente para resolver nossas questões mais íntimas e existenciais. Trocando em miúdos, a falsa idéia de que o consumo traz felicidade.<br />
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Se uma máquina do tempo trouxesse um indivíduo do século XII – XV para hoje, ele acharia absurdo que as pessoas fossem responsabilizadas por sua infelicidade. Maquiavel, que escreveu nesse período, atribuía a prosperidade do príncipe em parte a sua habilidade política e suas escolhas, mas pelo menos a outra metade a sorte e aos acasos: <br />
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“...Creio que se pode admitir que a sorte seja árbitro da metade dos nossos atos, mas que nos permite o controle sobre a outra metade, aproximadamente. Comparo a sorte a um rio impetuoso que, quando enfurecido, inunda a planície, derruba casas e edifícios, remove terra de um lugar para depositá-la em outro” (Maquiavel, O Príncipe).<br />
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Penso que essa arrogância feliz tenha a ver com o momento em que vivemos, onde tudo parece possível. Foi capa da revista Superinteressante que a próxima geração conhecerá a imortalidade. Imagina, agora que proclamamos a imortalidade, o que falta? <br />
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Mas essa é só uma face do presente, a outra remete ao consumismo. A possibilidade de adquirir tudo que necessite e mais o supérfluo remete a conclusão de que não há o que reclamar. Que problema pode ter o indivíduo que pode comprar tudo que seus olhos alcançam, viajar para todos os lugares, que possui um emprego ótimo? Que podendo produzir-se com as melhores grifes com certeza também irá conquistar o grande amor de sua vida? Qual é o problema? Só aquele que não pode consumir, por sua incompetência e falta de inteligência, está relegado a sofrer. <br />
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Se a geração dos anos 80 exaltava a dor existencial até quando não a compreendia, a atual a eliminou por completo. Podemos sofrer por não ter o que comprar, por não ganhar o salário desejado, por não estar no emprego almejado, mas jamais pelo sentido da existência.Cinara Lobohttp://www.blogger.com/profile/01931446388705783932noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-9023293670111324339.post-66670887458360584332010-02-10T21:37:00.001-02:002010-04-26T17:39:10.637-03:00A problematização do amor<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjuour8Ox4HjmVofahSCLGpOMSzaJUydQ2xVLBNS1iPEl3XoCUNndxkCctVmizMSaGddHIOT58IpZopZUEq5qDbKSVOyEIPV4fA-hBc3YhvbwU3D3-uHiXiVfSqthH6pB_zvvVdj-gXelg/s1600-h/1+shake+amor.jpg"><img alt="" border="0" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5436765789931450594" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjuour8Ox4HjmVofahSCLGpOMSzaJUydQ2xVLBNS1iPEl3XoCUNndxkCctVmizMSaGddHIOT58IpZopZUEq5qDbKSVOyEIPV4fA-hBc3YhvbwU3D3-uHiXiVfSqthH6pB_zvvVdj-gXelg/s320/1+shake+amor.jpg" style="cursor: hand; float: right; height: 215px; margin: 0px 0px 10px 10px; width: 320px;" /></a><br />
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<div>Depois de sofrer muito por um amor não correspondido, notei que eu adorava a pessoa com sentimentos e valores muito próximos aqueles vindos da Igreja Católica. Foi a primeira vez que suspeitei existir uma confusão e que eu era a própria vítima dessa confusão.</div><br />
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O imaginário que cerca o conceito de amor tem algumas regras estranhas: a) Desejar a felicidade do outro mais que a sua própria felicidade; 2) Colocar a realização sexual em segundo plano; 3) Ser companheiro do outro qualquer que seja a situação; 4) Substituir ao longo do tempo a paixão por sentimentos mais constantes e amenos. Há outras regras, mas note que em todas elas há um elemento em comum: a renúncia a vontade pessoal em favor do outro. Ora, não há nada mais cristão que isso!</div><br />
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<div>Não acredito que as pessoas sempre amaram segundo essas regras, houve um momento em que elas ganharam o status de verdade. Então, eu quis entender como isso aconteceu.<br />
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De todos os livros que eu li até o momento, um foi muito esclarecedor: “O amor cortês” de André Capelão. Escrito no século XII, ele deixa claro como o amor era um sentimento pagão, exterior ao casamento e que estava presente principalmente nas relações clandestinas. O amor só era possível entre amantes, não comportava longas durações, não incluía a fidelidade, não tinha nenhum objetivo produtivo, como ter filhos ou comprar uma casa. O amor era um sentimento efêmero, tempestivo, incontrolado e sexualizado. Dirá o leitor, era uma paixão. Não, pois não havia divisão entre amor e paixão, essa foi uma invenção posterior da sociedade. O amor era um sentimento incapaz de se comportar nas rotinas estabelecidas e porque era essa sua natureza, as mães não o desejavam para as filhas.</div><br />
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<div>No livro, El Amor en La Idad Media, Jean Verdon recupera o diálogo do cavalheiro La Tour Landry e sua esposa sobre a atitude que devem adotar as jovens diante do amor - o texto é de 1371. O cavalheiro sustenta que a donzela ou a dama pode amar em algumas situações honráveis, como por exemplo, quando espera casar-se ou quando está casada. A mãe discorda, preferem que não amem, pois é pecado amar um homem mais que a Deus ou ter uma relação extraconjugal. Ela não admite a possibilidade da mulher amar o seu próprio marido.</div><br />
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<div>Na idade Média, esse raciocínio não é absurdo. Era clara a dificuldade de existir amor entre o casal, pois os casamentos eram contratos arranjados. Interesses políticas e econômicas das famílias definiam as uniões. As mulheres se casavam muito jovens, aos doze anos, com homens muito mais velhos. A família interessava preserva a honra da donzela, mais que se preocupar com sua felicidade, pois ela era um bem de troca. Um bem que depois passava a ser do marido a quem estava completamente subordinada. Na cultura medieval, aceitava-se que o marido corrigisse a esposa, por isso eram constantes as agressões a mulher. Além disso, o casamento era um contrato com toda a racionalidade própria de um contrato. Especificava-se, no caso das famílias burguesas, por exemplo, a obrigatoriedade do marido de ensinar sua profissão ao enteado.</div><br />
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<div>Tudo muda de configuração quando a Igreja Católica sacramentaliza o casamento, no século XII e XIII – o mesmo momento em que Foucault identifica uma mudança no mundo religioso em relação à penitência e confissão. A Igreja faz uma reorganização da casa (história que contarei numa outra data) e estabelece o casamento como uma forma de celibato de menor grau, um caminho para a ascensão a Deus, de renúncia ao mundo e de exercício dos valores cristãos. Para Santo Tomás de Aquino, a associação do homem e da mulher, mesmo quando não tem como objetivo a procriação, pode ser abençoada, desde que união das almas preceda a união dos corpos. Ao casar-se, homem e mulher se tornam um só corpo e por essa razão não há pecado na relação sexual. No entanto, para que essa união seja legítima e abençoada, é preciso que seja espontânea, que exista um sentimento recíproco.</div><br />
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<div>Veja que nesse momento, o amor entra no casamento, mas não sem alterar o seu conteúdo. Não são mais interesses econômicos e políticos, não são desejos sexuais, mas o amor que torna-se o fundamento do casamento. Não o amor no sentido que Capelão dava ao termo, não o amor clandestino, pagão, sexualizado, impulsivo; mas o amor fraternal, desprendido, de solidariedade e de caridade. É nessa hora que a Igreja Católica problematiza a relação a dois. Ela não pode mais ser um contrato econômico, não pode acontecer entre parentes próximos, deve envolver o mútuo consentimento, deve vir acompanhada de um sentimento de desprendimento, não deve visar a realização sexual, deve ter como objetivo a procriação e a educação dos filhos.... Ao mesmo tempo em que a Igreja cria todas essas exigências ao casamento, essa instituição se torna uma área de sua jurisdição. Só ela estava habilitada a tratar os problemas conjugais, a definir quem podia casar-se com quem, a participar da educação dos filhos....</div><br />
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<div>Quais são as conseqüências disso para o homem moderno? Penso que continuamos a tratar nossos relacionamentos com os filtros dos valores católicos. O casamento é um contrato econômico, que dificilmente comporta um sentimento apaixonado. Há rotinas no casamento que exaurem com o desejo sexual e com qualquer fantasia amorosa. O amor é para mim um sentimento que tem o direito de ser pagão. Ele envolve o galanteio, o flerte, o enamorar-se que subordinado a uma rotina e a problemas domésticos, inevitavelmente, esvai-se. A relação a dois há de sempre precisar de um pouquinho de imaginação para valer à pena. </div></div></div>Cinara Lobohttp://www.blogger.com/profile/01931446388705783932noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-9023293670111324339.post-16050196885666299522010-02-09T17:00:00.001-02:002010-02-09T17:05:01.107-02:00A problematização da sexualidade<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh4VHYz4WNm4QI1uHHJO5G4mJFbrc8DHuCizfl4z7IXG67eSKtPizxCqCR-SS_KV0egeKxX8NL_bPrZTuT_hlt4Szerll4Y1v7X7rq4WzVQ6fuLFYxjU31bvdYHApvG9xIXpO80XYJilEU/s1600-h/foucault2.jpg"><img style="MARGIN: 0px 10px 10px 0px; WIDTH: 190px; FLOAT: left; HEIGHT: 191px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5436321368380127474" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEh4VHYz4WNm4QI1uHHJO5G4mJFbrc8DHuCizfl4z7IXG67eSKtPizxCqCR-SS_KV0egeKxX8NL_bPrZTuT_hlt4Szerll4Y1v7X7rq4WzVQ6fuLFYxjU31bvdYHApvG9xIXpO80XYJilEU/s320/foucault2.jpg" /></a><br /><div></div><br /><div>A Igreja Católica problematizou a sexualidade ao final da Idade Média, afirma Michel Foucault em História da Sexualidade. A minha tese é que houve também uma problematização do amor. O imaginário que hoje cerca esse sentimento possui associações e projeções que se originaram na Igreja num momento passível de ser identificado e acompanhado.<br /></div><br /><div>Vou explicar Foucault para depois retornar a minha tese.<br /></div><br /><div>Segundo Foucault, a partir do século XII e XIII, a penitência tornou-se um sacramento. Até então, a Igreja exercia um controle muito frouxo sobre a sexualidade e a penitência era um caminho para a remissão dos pecados, mas de escolha do próprio pecador, uma espécie de autoflagelação: uso de cilício, interdição dos cuidados de limpeza, jejuns rigorosos, castidade... </div><br /><div><br />A reforma nos dogmas e procedimentos da Igreja, torna o padre o responsável por intermediar a absolvição junto a Deus. É ele quem irá prescrever a punição conforme o pecado, e para conhecê-lo será preciso extrair a confissão do fiel.<br /></div><br /><div>A confissão, que antes era um ato voluntário e realizado em cerimônias coletivas, torna-se obrigatória para todo cristão e de caráter individual, regular e feita em ambientes reserv ados, diante da figura do padre. Os manuais eclesiásticos descrevem técnicas para extrair o máximo de detalhes sobre a intimidade, desejos e fantasias sexuais dos fiéis. Aos poucos a confissão torna-se a própria penitência:<br /></div><br /><div><strong><em>“(...) Ela é um sacrifício, porque provoca a humilhação e faz enrubescer. Ela provoca a erubescentia. O penitente enrubesce quando fala e, por causa disso, ‘dá a Deus – diz Alcuíno – uma justa razão para perdoá-lo’</em></strong>”( Os Anormais, Martins Fontes, 2001: 219).<br /></div><br /><div>Esse é o momento em que a sexualidade para Foucault passa a ser problematizada. O desejo sexual é em si um pecado, que precisa ser vigiado, controlado e disciplinado. A confissão é uma técnica para disciplinar o desejo sexual, que tem início com a Igreja Católica e que se desenvolve na, pedagogia, na psicanálise e na medicina. Somos a única civilização, na opinião de Foucault, que produziu profissionais especializados em ouvir confidências sexuais. </div><br /><div><br />Em História da Sexualidade, Foucault pergunta por que “de repente” um ato tão banal e comum como a masturbação do adolescente se tornou um problema fundamental a ser investigado pela pedagogia e a medicina? Livros e livros foram produzidos para descrever as complicações advindas: doenças, vícios, crimes, etc. </div><br /><div><br /><em><strong>“Dessa forma, ele se tornou, progressivamente, o objeto de grande suspeita; o sentido geral e inquietante que, independente de nós mesmos, percorre nossas condutas e nossas existências; o ponto frágil através do qual nos chegam às ameaças do mal; o fragmento de noite que cada qual traz consigo” (História da Sexualidade – a vontade de saber, 2006:79</strong>).</em><br /><br />E sobre a problematização do amor? Falarei no próximo post </div>Cinara Lobohttp://www.blogger.com/profile/01931446388705783932noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-9023293670111324339.post-27842799537945213502010-02-08T13:07:00.000-02:002010-02-08T22:08:50.158-02:00O amor argentino<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi1iXZaeur_z6I4WU0JNvT-9Pj47PB0LtZgRa75IQ2S5tfQwyoY2Qk1Xd9nyLAhuDqMnf1NlissmCRjR8wrUF4ALmkmi87Lk9c393EMbHNwNWoReiEZOw1_dyAB69-dC5OPVf5e8r8s2vg/s1600-h/Tango.jpg"><img style="MARGIN: 0px 10px 10px 0px; WIDTH: 254px; FLOAT: left; HEIGHT: 265px; CURSOR: hand" id="BLOGGER_PHOTO_ID_5435891514886504210" border="0" alt="" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi1iXZaeur_z6I4WU0JNvT-9Pj47PB0LtZgRa75IQ2S5tfQwyoY2Qk1Xd9nyLAhuDqMnf1NlissmCRjR8wrUF4ALmkmi87Lk9c393EMbHNwNWoReiEZOw1_dyAB69-dC5OPVf5e8r8s2vg/s320/Tango.jpg" /></a> <span style="font-family:times new roman;font-size:85%;"><em>Eu sei que vou te amar</em></span><br /><span style="font-family:times new roman;font-size:85%;"><em>Por toda a minha vida eu vou te amar</em></span><br /><span style="font-family:times new roman;font-size:85%;"><em>Em cada despedida eu vou te amar</em></span><br /><span style="font-family:times new roman;font-size:85%;"><em>Desesperadamente, eu sei que vou te amar</em></span><br /><span style="font-family:times new roman;font-size:85%;"><em>E cada verso meu será</em></span><br /><span style="font-family:times new roman;font-size:85%;"><em>Pra te dizer que eu sei que vou te amar</em></span><br /><span style="font-family:times new roman;font-size:85%;"><em>Por toda minha vida</em></span><br /><span style="font-family:times new roman;font-size:85%;"><em>Eu sei que vou chorar</em></span><br /><span style="font-family:times new roman;font-size:85%;"><em>A cada ausência tua eu vou chorar</em></span><br /><span style="font-family:times new roman;font-size:85%;"><em>Mas cada volta tua há de apagar</em></span><br /><span style="font-family:times new roman;font-size:85%;"><em>O que esta ausência tua me causou</em></span><br /><span style="font-family:times new roman;font-size:85%;"><em>Eu sei que vou sofrer a eterna desventura de viver</em></span><br /><span style="font-family:times new roman;font-size:85%;"><em>A espera de viver ao lado teu</em></span><br /><span style="font-family:times new roman;font-size:85%;"><em>Por toda a minha vida</em></span><br /><br /><br /><br />“Eu sei que vou te amar” na voz de Gabriel Dominguez é diferente de todas as interpretações que já foram feitas sobre essa música. O cantor de Tango transforma a letra de Vinicius de Moraes quase numa sentença de morte. Se não for de morte, de infelicidade, de desventura, de martírio enquanto houver vida. Ouvi-la no Café Tortoni, em Buenos Aires, me fez voltar a minha tese: o amor tem conotações diferentes conforme a cultura.<br /><br />Mais que isso, até creio que sentimos em maior ou menor intensidade de acordo com o ambiente cultural. Daí procurar não apenas pelo sentido de amar, mas pelas crenças que cercam a relação a dois e que falam sobre como sentir, a quem amar, os gestos, os cortejos e as desventuras. Enfim, reconstruir as narrativas que nos aprisionam em histórias de amor.<br /><br />Amar para Vinicius de Moraes era quase uma fatalidade e tinha a leveza de quem admite uma situação da qual não pode fugir: “Eu sei que vou te amar por toda a minha vida eu vou te amar” e não há o que fazer a não ser conviver com a falta. Como há um tom de profecia nos versos do poeta, parece maturidade reconhecer os desencontros da vida como constantes inevitáveis.<br /><br />O argentino prolonga as notas de Tom Jobim e a música se aproxima da ópera. Dessa forma, a ausência da amante condena o cantor de Tango a um martírio incurável e quase insuportável. É uma falta que jamais será preenchida e que se transforma num vício tal qual o cigarro ou a bebida. Há ainda outras diferenças: notou que no Tango, o amor é sempre platônico?<br /><br />São essas estruturas narrativas sobre o amor, diferentes conforme a cultura e a época, que nos levam a repetir situações e a experimentar conflitos existenciais muito semelhantes aos dos nossos contemporâneos. Não fazemos escolhas novas a cada segundo de nossas vidas, na maioria das vezes nosso raciocínio faz uso de modelos mentais, experiências que se tornaram amplamente aceitas, e que nos dão segurança sobre as decisões tomadas. Por um lado, ganhamos em fazer uso da experiência dos outros, mas por outro, terminamos aprisionados em certos modelos de conduta.<br /><br />Não é diferente no amor.Cinara Lobohttp://www.blogger.com/profile/01931446388705783932noreply@blogger.com2