domingo, 28 de dezembro de 2025

 Não importa quanto anos dure, mas a intensidade do amor

    Sou uma romântica incurável. O meu caso é crônico. Pertenço a categoria das pessoas que, como disse Fernando Pessoa, amam sem medo do ridículo. Ainda ouço músicas do Roberto Carlos, acredito no amor à primeira vista e no amor para sempre, no carinho e na lembrança dos pequenos gestos repetidos sem cansaço, enquanto o casal envelhece junto. Sou capaz de chorar assistindo a filmes de amor. Nunca me esqueço que, ao ver o desenho da Cinderela pela milésima vez, acompanhada pelo meu filho de oito anos, chorei quando ela perde o sapatinho de cristal e o príncipe encantado corre atrás para devolvê-lo. Pensei na angústia de seu coração ao imaginar nunca mais encontrar aquela pessoa. Pensei na dor de supor impossível o relacionamento. Pensei em tantas coisas, naqueles poucos segundos, que caí em prantos.



    Meu filho, na lucidez dos seus oitos anos, disse:

- Não acredito que você está chorando com essa história ridícula da menininha que perde o sapatinho de cristal!

- Eu já vi esse desenho várias vezes e sempre choro nesta parte.

    Não há cura para o meu caso. Por isso, me assusta quando casados por longa data são interpretados como idiotas limitados ou quando a separação parece destruir a riqueza da experiência de anos juntos. Não importa quanto tempo dure o casamento, a separação não apaga o amor. O sentimento não é menor por deixar de existir.

    Os românticos do século XVIII falavam em amor eterno, pois, caudatários das decisões da Igreja Católica, substituíram o celibato religioso pelo casamento. A Igreja Católica, durante o Concilio de Trento, reclassificou o casamento, elevando-o a categoria de sacramento, ou seja, o caminho para unir-se a Deus. Até então, era apenas um contrato econômico entre famílias, sem grandes pretensões. A Igreja quis oferecer aos que não conseguiam seguir a vida religiosa celibatária uma segunda alternativa, criando a instituição casamento.  

    Para tanto, foi necessário adequá-lo aos seus parâmetros. O casamento passou, então, a incluir a fidelidade conjugal e o sexo apenas com fins reprodutivos. Mais tarde, os românticos perceberam que o casamento “arranjado”, “interesseiro”, feito para agradar interesses políticos e econômicos, não funcionava muito bem. Condenava as pessoas a uma vida de sofrimento insuportável. Nesse momento eram comuns o roubo de donzelas, os suicídios como o de Romeu e Julieta, entre tantos outros dramas. Era novamente preciso recriar o casamento. Escritores e filósofos românticos passaram a reivindicar que ele se baseasse no amor, a defender intransigentemente a liberdade de escolher com quem se casar. O pleito ganhou apoio de setores da nobreza e se uniu aos ideais políticos liberais. O amor passou a se associar, estranhamente, à liberdade.

    A nobreza, fortalecida pelo comércio e apoiada pela burguesia, queria autonomia para decidir sobre os casamentos sem passar pelo crivo da Igreja. Esta, porém, criava obstáculos aos interesses da nobreza, ao estabelecer uma intrigada regra para garantir que parentes até o terceiro grau consanguíneo não se casassem. Na prática, era uma forma de controlar as uniões entre famílias nobres, já que o registro de nascimentos, a celebração dos casamentos e o julgamento das exceções dos casamentos entre parentes ficavam sob sua responsabilidade.

    Assim, os nobres passaram a endossar a união por amor. Um exemplo das novas uniões é o casamento da princesa Sissi (Isabel da Baviera) com o imperador Francisco José I da Áustria, considerado um dos maiores acontecimentos sociais do século XIX, reunindo grande parte da realeza europeia. Nesse momento, o amor – antes visto como sentimento pagão e até descrito em manuais médicos como doença, com orientações sobre sintomas, tratamentos e remédios – ergue-se como fundamento da união conjugal. Giddens afirma que o amor apaixonado não foi, “em parte alguma”, reconhecido como base necessária ou suficiente para o casamento e que “na maior parte das culturas tem sido refratário a ele” (Giddens, 1993, p. 48). O Ocidente, no entanto, uniu casamento e amor.

    A aproximação trouxe outra questão: o lugar do sexo. O amor pagão era sexualizado, mas o amor entre casais não poderia incluí-lo, conforme preceituava a Igreja Católica. Os românticos também não defendiam a sexualização. Suas histórias quase sempre retratam casais que nunca chegaram a ficar plenamente juntos, que enfrentaram regras e padrões sociais e sucumbiram à rigidez dos limites impostos. A união romântica é sublime, sem sexo.  O casamento com sexo é um fato mais recente, que surge após os movimentos feministas, quando a mulher conquistou o direito à sexualidade e o divórcio se tornou mais comum.

    Assim, casar-se e separar-se não invalida o tempo vivido juntos. Não deve ser interpretado como frustração ou fracasso. O “amor para sempre” é uma invenção da Igreja Católica, com pitadas sentimentais dos românticos. A vida é dinâmica. O que aproxima duas pessoas são circunstâncias, afinidades e temperamento. Mas circunstâncias mudam, assim como as pessoas. A solidariedade, o cimento social que as unia, se desfaz. É tempo de mudar. As transformações da vida, que terminam afastando o casal, não diminuem o sentimento que viveram. Não apagam a história nem os momentos compartilhados. Mais importante que a duração é a intensidade e profundidade do que foi vivido.  

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