domingo, 17 de janeiro de 2010

Não necessariamente congruentes




Amor e sexo não são itens excludentes, mas não são congruentes. O amor não inspira necessariamente o desejo sexual. É feito de identificações, proximidade de idéias e temperamentos. É desejar ser o outro e até abrir mão de realizações pessoais em favor do ser amado. Embora o outro não seja mais que uma projeção de si mesmo. Não iria além dessa definição. Sentimentos como respeito, solidariedade e altruísmo possuem sua própria singularidade e foram indicados pela igreja como fundamentos para a relação a dois em substituição ao amor-paixão, que ela tantas vezes condenou como adultério. O fato é que acrescentamos ao significante amor tais sentimentos e por conseqüência também ao casamento. Mas não é sobre isso que quero falar, vou voltar a minha tese.

Não por acaso, Nelson Rodrigues criou vária histórias onde o personagem não conseguia manter relações com quem amava. Estão lembrados de “A dama do lotação”? Solange tinha o hábito de arrumar parceiros no lotação. Costumava sair com qualquer desconhecido que estivesse no ônibus, mas não conseguia ter relações com seu marido, embora o amasse perdidamente. Ainda há outras histórias. Como o amigo que confessa envergonhado ter desejado a própria esposa. É nessa crônica que Nelson Rodrigues solta uma de suas frases inesquecíveis: “O amor entre marido e mulher é uma grossa bandalheira. É abjeto que um homem deseje a mãe de seus próprios filhos”.

Para Nelson, havia uma divisão entre sexo e amor. Essa não é uma questão fechada em seus textos. Ora ele acha inconcebível que estejam separados. Ora ele não admite que andem juntos. Para ele, o amor estava no flerte, na conquista, nas horas perdidas. O paulista não podia amar, pois pensava em trabalho 22 horas por dia. E “o amor é a arte do lazer”. Também um homem antes dos 30 anos não era capaz de amar, pois antes dessa idade um homem sequer sabia cumprimentar uma mulher. E o amor estava no galanteio, na conquista: “Para o homem, o amor não é gênio, nem talento e sim tempo, métier, sabedoria adquirida”.

Mas em outros momentos, o amor para ele é a identificação que de tão completa torna o objeto amado uma projeção, como o santo é uma projeção dos sentimentos, valores e condutas ideais. É por essa razão, que para ele amor e morte eram próximos. Só aquele que ama, afirma Nelson Rodrigues, tem coragem de morrer de peito aberto: “quem nunca desejou morrer com o ser amado, não amou, nem sabe o que é amar”.

Nas duas situações apresentadas, o amor exclui o sexo. Na primeira, porque se trata de um amor platônico, que tende ao simples galanteio. No segundo caso, porque o amor é quase uma causa, pela qual se vive e morre. Nas duas situações, o objeto do amor é uma idealização, não há a proximidade necessária entre os amantes para que o desejo sexual aconteça.

Estou com Nelson Rodrigues. Ás vezes até acho que o amor inviabiliza o sexo. Quantas vezes amei sem desejar em nenhum momento sequer tocar na pessoa...

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