terça-feira, 5 de janeiro de 2010

O amor é uma invenção humana




O amor não teve sempre o mesmo sentido em qualquer época e em qualquer lugar, tampouco esteve sujeito às mesmas regras. Não é um sentimento com o qual nascemos ou que nos tenha sido dado por Deus. Não é um elemento da alma, assim como a dor é uma reação do corpo. O amor é uma invenção humana e por isso, dizer amar alguém tem um sentido particular. Respeito, companheirismo, solidariedade, cumplicidade, identidade são conceitos facilmente associados ao sentimento no século XXI, mas que não estão contemplados no senso comum da sociedade européia setecentista.

Até o século XVII, o casamento não deve incluir o amor. Ele acontece entre amantes, não entre marido e esposa. É surpreendente a naturalidade com que os romancistas desse século narraram a figura do amante. Honoré de Balzac, em Esplendores e Misérias das Cortesãs, descreve a relação entre seu personagem Lucien e a condessa Sérizy. Ele um jovem solteiro, desejoso de ascender à corte e ela uma senhora respeitada e casada. O romance entre os dois desenrola-se a vista da sociedade e do próprio marido. Lucien a acompanha aos bailes, óperas e está sempre em sua casa. O conde Sérizy não apenas sabe da existência do rapaz, mas ajuda a esposa a desfazer-se das cartas de amor que eles haviam trocado. Sua preocupação não é com o que a sociedade poderia falar sobre o romance, mas sim com a possibilidade da intimidade da condessa vir a público.

André Capelão, em Tratado do Amor Cortês, livro escrito no século XII, diz claramente que se dois amantes se unem pelo casamento, o amor entre eles desaparece repentinamente. A razão é simples. O casamento leva a contrariar a regra básica para a sobrevivência do sentimento, na opinião do autor: não se tornar nunca notório e publicamente divulgado. Para manter o amor, recomenda Capelão, ele pode ser conhecido apenas por três pessoas: dois confidentes, um do lado do homem e outro da parte da mulher, e um mensageiro fiel. Como o amor é um sentimento menor, pagão, excluído dos círculos formais; não há nada pior do que a formalização, a definição de um lugar público onde pudesse se desenrolar sem intempéries e de forma previsível. A publicização do amor viria, inevitavelmente, acompanhada da rotinização, extinguindo-se assim a paixão. O século XX abrirá mão do jogo cortês em favor de laços mais produtivos, editará a crença de que um sentimento estável é preferível aos arroubos da paixão e é natural que aconteça na idade adulta.

2 comentários:

  1. Querida, concordo como o relato histórico. É perceptível que Vc está estudando um tema muito complexo e na maioria das vezes enexplicável. Sobre ele, o amor, a maioria de nós apenas temos alguma impressão. É um caminho árduo, mas estimulante. Sobretudo para uma intectual como você. Infelizente não posso contribuir, devido às minhas limitalções, com tal profundidade de análise, mas tenho certeza que suas letras poderão tornar-se uma reflexão à mais para a compreensão de todos aqueles que além de estudar as relações entre as pessoas, sentem, amam e se apaixonam por elas. Parabéns pelo Blog!

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  2. Essa questão me incomoda muito, pois a palavra invenção da formalidade não deveria se confundir coma palavra amor, um sentimento de arrebatamento que está descrito em muitas sociedades humanas, indiana, chinesa, desde mil anos antes de Cristo. Este amor preso à paixão também não descreve o amor, e inventar algo arrebatador para mim só corrobora uma extrema arrogância da sociologia em querer definir-nos como seres absolutamente dominados pelo corpo social. E olha que não é preconceito é constatação, eu gosto da sociologia e cursei uns dois anos na UFRJ, mas essa arrogância do conjunto nunca me convenceu. Eu acho que as matérias humanas continuam dialogando muito pouco. E polarizar social x individual é realmente não juntar as coisas, de novo.

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