sábado, 2 de janeiro de 2010
A procura pela felicidade
Sempre me causou curiosidade a associação tão forte entre sofrimento e amor. Não seria possível amar sem sofrer? Se não, por que amar? Não é melhor a solidão ou envolver-se com outras paixões: viagens, trabalho, amizades, sexo?... Por que desejar tanto uma pessoa ao ponto de perseguir sua própria infelicidade? Não tenho resposta para conduta tão comum e tantas vezes descrita na arte popular.Não sei explicar esse desatino que tantas vezes cometi. Quero, contudo, esboçar uma reflexão que pode lançar luz ao problema.
A culpa por amar não existia entre os gregos, nem mesmo quando se tratava de amor carnal entre mãe e filho. Diz François-René de Chateubriand que o “incesto não era coisa tão rara e monstruosa entre os antigos, para excitar semelhantes terrores no coração da delinqüente. É verdade que Sófocles fez morrer Jocasta no momento em que conhece o crime; Eurípedes, porém, deixa-a viver longo tempo depois. A acreditarmos em Tertuliano, as desgraças de Édipo excitavam nos macedônios os gracejos dos expectadores” (1948:251).
Se não havia culpa, não havia sofrimento. Errado. Esse decorria da desventura de amar, mas não da culpa por ter preferido o desejo carnal, por ter dedicado a um amor mundano. Esse drama passa a ser comum na Idade Média. Chateubriand marca sua entrada a partir do romance medieval Abelardo e Heloisa. É o pensamento cristão que estabelece uma dissociação irresolúvel entre dois mundos: o mundo terreno e o espiritual. No plano celeste estaria tudo que é imutável, sagrado e puro. No terreno, tudo que é efêmero, pecaminoso e impuro.
Para vivenciar na terra os benefícios da vida sagrada, havia um único caminho, renunciar as paixões, desejos e realizações mundanas. Entrar para um mosteiro e permanecer casto. A vida monástica é um lugar de repouso, onde se experimenta a vida constante, regrada, distante dos excessos da carne e dos desejos. Acreditava-se mesmo que os mosteiros fossem locais sagrados onde as pestes e desgraças humanas não penetravam, onde seus moradores viviam de glorificar a Deus. Uma espécie de oásis no meio do pecado e da miséria.
Se a vida monástica era tão boa, era normal que todos a desejassem, mas nem todos estavam preparados para assumi-la. Assim, quando um religioso não conseguia controlar seus desejos carnais e entregava-se ao “amor”, ele tinha como conseqüência o retorno ao mundo terreno e suas conseqüências: dores, sentimentos fugazes, ilusões, paixões efêmeras, enfim, as limitações da vida humana. Daí decorria a culpa por amar ou, em outras palavras, a culpa por ter preferido o amor incompleto de um humano ao amor constante de Deus. Assim, não é difícil deduzir como se inaugura a associação irresolúvel entre amor e sofrimento. Amar é inevitavelmente sofrer, pois é entregar-se a um mundo de sentimentos imperfeitos. É deixar a serena vida religiosa para viver desilusões, traições, infelicidades e tragédias. É pecar, por fazer uma escolha diferente daquela desejada por Deus.
A associação entre amor e sofrimento foi reforçada com a sacramentalização do casamento pela Igreja Católica. O casamento adquire as qualidades de eterno, imutável, constante e sagrado. Qualidades que antes só existiam no plano divino, para aqueles que escolheram renunciar os excessos das paixões e desejos da carne e abraçar a vida religiosa. Se antes a felicidade e qualquer sentimento constante eram impossíveis na vida terrena, a Igreja cria um segundo lugar (além do mosteiro) onde eles se tornam viáveis: o casamento. Acontece que se o casal de amantes não se realiza no casamento, se eles não evoluem para uma relação duradoura ou se simplesmente se cansam com a vida a dois, eis de volta o sofrimento. Eis de volta a infeliz associação entre sofrimento e amor.
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