É uma evidência do narcisismo assexualizado da sociedade brasileira contemporânea a censura ao comercial da Devassa. Tomei conhecimento do caso pelo blog do publicitário Lenadro Wirz (mardecoisa.blogspot.com) e resolvi comentá-lo aqui, onde o espaço é maior. A pergunta imediata que ocorre é por que? Por que censurar um comercial que é semelhante a cem mil outros comerciais de cerveja? Mulher bonita e quase pelada, cerveja gelada, um bando de homem embasbacado, qual a novidade? Por que o comercial da Devassa é mais ofensivo a imagem da mulher e estimula, mais que os outros, o consumo excessivo de álcool? Implicância pura e simples do Conselho Nacional de Autorregulação Publicitária?
Creio que não. Há um elemento nesse comercial que o faz diferente dos outros: fala de uma mulher que é sensual, que estimula a imaginação e seduz aqueles que a observam. Transeuntes, vizinhos e até mesmo duas mulheres param para olhá-la. Ela se sabe observada pelo fotógrafo do prédio em frente e insinua-se esfregando-se no vidro, enquanto a lata gelada escorrega pelo seu corpo. Na fotografia que interrompe o filme, há desejo em seu olhar. Paris Hilton, atriz que interpretada a personagem, está até mais vestida que outras loiras de comerciais de cerveja. Acontece que nos outros comerciais, as loiras são apenas bonitas, nuas e inatingíveis. A cerveja só uma bebida.
Corpos dourados não transmitem, necessariamente, apelo sexual. Na televisão brasileira, não há nada mais comum e explorado que a nudez em todas as cores. Diria mesmo que ela já não provoca nenhum impacto. O que causou a reação dos censores foi o apelo sexual do comercial. Isso é uma evidência de que, embora jornais, revistas e televisão divulguem diariamente imagens de corpos perfeitos, não é a sexualidade o que desejam despertar. Trata-se apenas de um padrão de beleza aceito e explorado como produto. Quem persegue esse padrão também não visa atrair alguém, não é o desejo o que está em jogo, mas uma pura e inocente exibição narcísica. Do contrário, os outros comerciais, desde o banho das atrizes globais no comercial do Lux de Luxo até personagens de grifes infantis deveriam ser censurados. O que causou estranhamento no comercial da Devassa não foi a loira bonita e quase nua, foi a sua sensualidade. O que está proibido é o desejo sexual.
Agora imagine, caro leitor, quantos potes e potes de cremes dermatológicos são produzidos, quanto de fortuna não fazem as incontáveis clínicas de cirurgia plástica, sem contar o que se produz de roupas coladas a micro biquínis, tudo isso apenas para satisfazer nosso narcisismo e o jogos narcisistas em que nos envolvemos diariamente. Como diria Foucault, “o poder no Ocidente é o que mais se mostra, portanto o que melhor se esconde” (Microfísica do Poder, 2003:237). Parece que tudo esbanja sexualidade, desejo, juventude e prazer; mas estamos apenas consumindo esses valores. Podemos não ir além da aparência. Não faremos mais sexo, ou experimentaremos paixões, ou nos encontraremos com nossos impulsos e vontades. Podemos ficar satisfeitos com os potes de creme e parar por aí.
É isso que a indústria de estética deseja? Não creio. Concordo com Foucault quando diz que o poder não é um ator unificado com uma ação orientada para perpetuar-se. O poder está assentado em micropráticas cotidianas que têm como efeito tornar o corpo mais dócil. Todavia, o poder não é hegemônico, está sujeito a constante microcontestações e pode ser subvertido a qualquer momento.
sexta-feira, 12 de março de 2010
O que está proibido é o desejo sexual
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Perfeito!
ResponderExcluirQuando escrevi esse texto pensei em outros desdobramentos, aos quais pretendo voltar: a)sexismo e o conceito de liberdade em Rousseau. Não é o puro sexo que devemos pensar, mas no conceito de liberdade e para defini-lo ninguém melhor que Roussau. b) O quanto a sensualidade da mulher foi perseguida e temida. Estou pensando nos confessores da Idade Média, p.ex.
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